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VII - A singularidade primitiva nos sujeitos drogadictos – toxicômanos - Texto - XI

VII - A singularidade primitiva nos sujeitos drogadictos – toxicômanos

Texto – XI

Embora Freud, como exposto no capítulo anterior, tenha tido contato significativo e íntimo com a “substância mágica” a cocaína (assim chamada por ele), não concluiu um estudo específico sobre as toxicomanias – mania de intoxicar-se com entorpecentes (drogas) – mesmo assim podemos considerar suas contribuições como precursoras nos conceitos das psicoterapias em relação aos usuários de drogas. Muitos dos conceitos por ele desenvolvidos, ainda que não voltados especificamente para os narcóticos – do grego narkotikós ‘entorpecer’ – têm sido utilizados na compreensão da questão da dependência de drogas. No hábito da masturbação, por exemplo, ele diz que:
“[...] O “hábito” é uma simples palavra, sem nenhum valor explicativo. Nem todos os que têm oportunidade de tomar morfina, cocaína, hidrato de cloral etc. por algum tempo adquirem dessa forma “um vício”. A pesquisa mais minuciosa geralmente mostra que esses narcóticos visam a servir — direta ou indiretamente — de substitutos da falta de satisfação sexual; e sempre que a vida sexual normal não pode mais ser restabelecida, podemos contar, com certeza, com uma recaída do paciente. [...]”. (A sexualidade na etiologia das neuroses (1898) – Vol. III)
Nos “Extratos dos documentos dirigidos a Fliess” (1950 [1892-1899]) Carta 79, Freud escreve que: “[...] a masturbação é o grande hábito, o “vício primário”, e que é somente como sucedâneo e substituto dela que outros vícios — álcool, morfina, tabaco etc. — adquirem existência”. Tais hábitos foram considerados, naquela ocasião, como substitutos diretos ou indiretos da satisfação sexual, porém, ele chama a atenção para o fato de que a simples supressão do hábito masturbatório e/ou vícios não alcançará êxito terapêutico se não for pesquisada a fonte de origem da necessidade imperativa do ato.
Em “Os chistes e sua relação com o inconsciente” (1905), em seu texto “O mecanismo do prazer e a psicogênese dos chistes”, aponta para o caráter desinibidor do álcool, corrompendo as defesas egóicas, provocando um curto-circuito, onde a resistência interna é vencida e a inibição suspensa, tornando o prazer mais acessível: “uma disposição eufórica, produzida endogenamente ou por via tóxica, reduz as forças inibidoras, entre as quais o senso crítico, permitindo no indivíduo, o retorno de fontes de prazer sobre as quais anteriormente pesava a supressão”. No texto “Sobre o mecanismo da paranóia” (1911-1913) quando relata sobre os “delírios alcoólicos de ciúme”, aponta que o álcool usado como fonte de prazer, “afasta inibições e desfaz sublimações”, favorecendo com isso sintomas maníacos e psicóticos, assim como podemos observar em relação aos narcóticos.
Em “Conferências introdutórias sobre psicanálise” (1916-1917) - Conferência XXIV “O estado neurótico comum”, Freud coloca que: “[...] ‘se a vita sexualis é normal, não pode haver neurose’ — e, com isso, eu quis dizer ‘neurose atual’.[...], porém, esclarece que existem diferenças individuais das pessoas e do julgamento daquilo que consideramos como ‘normal’. Logo a seguir no curso do seu pensamento ele diz que: “Mesmo nessa época, não pude deixar de perceber que a causação da doença nem sempre aponta para a vida sexual”, afirmando mais adiante que:
“As neuroses ‘atuais’, nos detalhes de seus sintomas e também em sua característica de exercer influência em todo sistema orgânico e toda função, mostram uma inconfundível semelhança com os estados patológicos que surgem da influência crônica de substâncias tóxicas externas e de uma suspensão brusca das mesmas — as intoxicações e as situações de abstinência”.
A hipótese etiológica formulada por Freud sobre as neuroses atuais – neurastenia e neurose de angústia – é baseada no acúmulo de tensão sexual (etiologia auxiliar das psiconeuroses). Contudo, ele mesmo diz que “a função sexual não é uma coisa puramente psíquica, da mesma forma como não é uma coisa puramente somática. Influencia igualmente a vida corporal e mental”. Se tomarmos sexual como sendo propriamente pulsional, da forma como Freud parecia privilegiar, é bastante coerente afirmar que essas patologias – toxicomanias – resultam da transformação direta, não mediada pelo psiquismo, da pulsão não satisfeita.
Em “O mal-estar na civilização” (1989 [1930]) quando fala sobre o ego, aponta que ele está sujeito a distúrbios e suas fronteiras não são permanentes, um recém-nascido “ainda não distingue o seu ego do mundo externo como fonte das sensações que fluem sobre ela”. Portanto, aprende gradativamente reagindo a diversos estímulos, e diz que:
“[...] o desengajamento do ego com relação à massa geral de sensações — isto é, para o reconhecimento de um ‘exterior’, de um mundo externo — é proporcionado pelas freqüentes, múltiplas e inevitáveis sensações de sofrimento e desprazer, cujo afastamento e cuja fuga são impostos pelo princípio do prazer, no exercício de seu irrestrito domínio. Surge, então, uma tendência a isolar do ego tudo que pode tornar-se fonte de tal desprazer, a lançá-lo para fora e a criar um puro ego em busca de prazer, que sofre o confronto de um ‘exterior’ estranho e ameaçador”.
Essas citações, na verdade, enunciam fatos já bem conhecidos hoje em psicanálise, contudo lançam as bases para uma reflexão sobre o tema por mim proposto. Como podemos notar, sensações de sofrimento e desprazer podem isolar o ego, lançá-lo para fora e até criar um puro ego em busca do prazer, a meu ver é esse o mecanismo chamado por McDougall (1989-2000) de desafetação (pensamento operatório, alexitimia ou neurose comportamental) – um grave distúrbio da economia afetiva. De acordo com McDougall, as palavras não apresentam sua função de ligação ao pulsional, permanecem congeladas esvaziadas de substância e de significação, constituindo um discurso desprovido de afeto. Um indivíduo desafetado afastado de sua própria realidade psíquica. Portanto, o fato de ejetar a parte psíquica de uma emoção faz com que os toxicômanos as disperse empenhando-se em uma ação, evacuando uma excitação afetiva insuportável, configurando em uma descarga rápida na ação – a busca pela droga (substância tóxica).
Na consequência lógica da toxicomania o indivíduo imprimi modificações no seu ser, Freud em “O mal-estar na civilização” diz que: “[...] algumas das coisas difíceis de serem abandonadas, por proporcionarem prazer, são, não ego, mas objeto [...]”. Contido em uma fase primitiva do sentimento do ego, proporcionando uma descarga pulsional imediata da tensão, um tipo de satisfação auto-erótica, configurando o curto-circuito pulsional. Uma emoção permissível à parte fisiológica exprimir-se como na primeira infância. Como diz Freud:
“[...] os métodos mais interessantes de evitar o sofrimento são os que procuram influenciar o nosso próprio organismo. Em última análise, todo sofrimento nada mais é do que sensação; só existe na medida em que o sentimos, e só o sentimos como conseqüência de certos modos pelos quais nosso organismo está regulado. O mais grosseiro, embora também o mais eficaz, desses métodos de influência é o químico: a intoxicação”. [...] é possível que haja substâncias na química de nossos próprios corpos que apresentem efeitos semelhante pois conhecemos pelo menos um estado patológico, a mania, no qual uma condição semelhante à intoxicação surge sem administração de qualquer droga intoxicante”.
Na busca pela felicidade esses veículos intoxicantes produzem prazer imediato e um enorme desejo de independência do mundo externo. Como diz Freud, esse ‘amortecedor de preocupações’ afasta o indivíduo da pressão da realidade encontrando refugio num mundo próprio, sendo essa propriedade dos intoxicantes que demonstra o seu perigo e sua capacidade de causar danos. Ele afirma que:
“O sentimento de felicidade derivado da satisfação de um selvagem impulso instintivo não domado pelo ego é incomparavelmente mais intenso do que o derivado da satisfação de um instinto que já foi domado. A irresistibilidade dos instintos perversos e, talvez, a atração geral pelas coisas proibidas encontram aqui uma explicação econômica”.
A felicidade, portanto é vista por Freud como satisfação pulsional, a necessidade de intoxicação então, constituiria em um prazer substitutivo podendo gerar uma compulsão onde o indivíduo permaneceria sempre preso a um comportamento primitivo. Ao drogar-se o indivíduo estaria diante do mecanismo que ele denominou de processo primário, onde o prazer é obtido pela via mais curta, próprio da satisfação alucinatória, porém não alucina, efetua-se uma descarga direta da pulsão em ação, não possibilitando o mecanismo do processo secundário mediado pelo princípio da realidade que “serve à finalidade prática de nos capacitar para a defesa contra sensações de desprazer que realmente sentimos ou pelas quais somos ameaçados”. (Freud, 1930). Segundo Lacan, trata-se de um buraco no real, neste sentido, é a rigor o contrário da alucinação, o aparecimento no real daquilo que não foi simbolizado, propiciando ao corpo se oferecer como sede à falta simbólica. (Lacan, 1959-2002).
O princípio do prazer domina o funcionamento do aparelho psíquico, porém situações desejadas pelo princípio do prazer quando prolongadas, produzem tão somente sentimentos de contentamento muito tênues. Obtemos satisfações através de ilusões e elas se originam na imaginação, bastante deficientes ou nulas nos toxicômanos. A felicidade – no sentido de prazer – contudo, é algo essencialmente subjetivo e o desejo de obtê-la é persistente e não pode ser escondido do superego. Como sabemos a função do superego é manter a vigilância sobre as ações e as intenções do ego e julgá-las, exercendo sua censura. Em “O mal-estar na civilização” Freud aponta que:
“A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la, não podemos dispensar as medidas paliativas. ‘Não podemos passar sem construções auxiliares’, diz-nos Theodor Fontane. Existem talvez três medidas desse tipo: derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça; satisfações substitutivas, que a diminuem; e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a ela”.
De acordo com Freud, a civilização é, portanto em grande parte responsável por nossa desgraça. Um dos principais conceitos criados por ele ao referir-se a fatos sociais foi o de superego. Tentando explicar a gênese da consciência moral, o sentimento de culpa, os ideais sociais do eu e a internalização da lei simbólica, ele pode afirmar que:
“também a comunidade desenvolve um superego sob cuja influência se produz a evolução cultural. [...] O superego de uma época de civilização tem origem semelhante à do superego de um indivíduo. [...] Neste ponto os dois processos, o do desenvolvimento cultural do grupo e o do desenvolvimento cultural do indivíduo, se acham, por assim dizer, sempre interligados. Daí algumas das manifestações e propriedades do superego poderem ser mais facilmente detectadas em seu comportamento na comunidade cultural do que no indivíduo isolado”.
Se pensarmos uma cultura que se funda sobre a castração simbólica, acionada pela função paterna com a finalidade de regular o gozo do homem, observaremos que a droga destitui o gozo fálico, impondo um gozo liberado. Jacques Lacan observou isso na fragilidade em nossa cultura do Nome-do-Pai, ao declínio da função paterna estão ligados hoje diferentes fenômenos clínicos, concebidos como patologias do ato, onde a figura social dominante do superego não esta mais vinculada à repressão das monções pulsionais, mas à obrigação da assunção dos fantasmas. O verdadeiro imperativo do superego na contemporaneidade é: “Goza!”, logo, o gozo é transformado em uma obrigação necessária. (Lacan, Seminário XX).
De maneira sucinta com relação aos fantasmas perante a recusa da realidade, a via de mão dupla do sujeito de aceitar e repudiar a realidade que a ele se impõe, pode gerar uma dificuldade na atividade psíquica do sujeito. Freud chamou de fantasma, o mecanismo que consiste em fazer correções na realidade frustrante e com isso sustentar o princípio de prazer, de certo modo equivalente a uma compensação a economia psíquica pelas renúncias impostas a ela pelo princípio de realidade. A fonte do fantasma é o brincar infantil que o adulto prolonga, pelo viés do fantasma, tornando a realidade suportável. Se observarmos a questão da temporalidade psíquica, o fantasma se organiza entre o desejo passado, a impressão presente e a projeção futura, e ainda de acordo com Freud a realidade psíquica do fantasma se desdobra a partir de fantasmas originários. Na clínica sabemos a grandeza estruturante da possibilidade dos sujeitos de se servirem de suas verdades pré-históricas se defendendo das faltas de sua própria verdade individual. Se a função mais evidente desempenhada pelo fantasma é a de prometer um gozo pleno, não devemos isentá-lo da sua outra função, onde a primeira trabalha precisamente para tamponar. Pois, ao mesmo tempo em que o fantasma faz supor a existência de uma satisfação plena, tem por efeito ocultar o real da satisfação pulsional. Portanto, quando o fantasma sofre um abalo (perda), então, para o sujeito se desvela um gozo até então desconhecido, manifestando-se como um apego insensato que não pode ser justificado, fazendo com que os sujeitos persistam aderidos a um estúpido mais-gozar. McDougall nos diz que diante das armadilhas da adicção nos toxicômanos podemos perceber que:
“[...] algumas vezes traumatismos ocorridos bem cedo, no início da infância, assim como a organização da personalidade e a economia psíquica que se desenvolve em seguida, deixando a criança (que continua viva dentro do psiquismo adulto) desprovida de recursos internos adequados para dominar a investida de suas emoções”.  (McDougall, 1989-2000: 111)
O adicção é uma patologia e não deve ser encarada como simplesmente um desvio moral – transtorno de conduta – o preconceito surge da desinformação e contribui para o isolamento do toxicômano, fazendo-o se sentir descriminado e excluído. As substâncias tóxicas não são phármakons mágicos, o seu uso, além de seu significado simbólico, não age também como remédio – do grego pharmakíois e do latim remediumaquilo que cura, de forma a aplacar a angústia subjacente ou mesmo bloquear o surgimento de afetos indesejáveis. A relação do sujeito com a droga é de grande pluralidade, existem diferentes tipos de usuários – sob as mais diversas motivações – aqueles que apenas a experimentaram ou os que utilizam eventualmente e em circunstâncias sociais e os dependentes – adictos toxicômanos – nesta fase a droga se afasta do campo do desejo e aproxima-se do que é próprio às pulsões de autoconservação comparada a um objeto exclusivo de um prazer necessário. Da desvalorização da função paterna, nos toxicômanos restou apenas a face mortífera do superego e um ideal de eu perverso que prescinde da referência fálica. No que se refere à predileção da substância tóxica, McDougall escreve que:
“A “escolha” de um objeto adictivo raramente é uma questão de escolha. Cada objeto selecionado tende a corresponder a períodos especiais do desenvolvimento nos quais houve o fracasso na integração dos objetos internos que ajudam e cuidam. Além disso, o objeto escolhido revela a busca do “estado ideal” que o indivíduo espera alcançar por intermédio da substância, da pessoa ou do ato, procurados: plenitude, exaltação, potência, ausência de dor, nirvana e assim por diante”. (McDougall, 1995-2001: 203-204)
Diante da necessidade desesperada de descarregar as pressões afetivas insuportáveis, para os toxicômanos McDougall, enumera três desafios a serem enfrentados, que vou expor na integra:
1-                             Desafio ao objeto materno interior (vivenciado como ausente ou falho na capacidade de tranquilizar a criança perturbada que se esconde dentro). O substituto adictivo estará, daí por diante, sempre disponível como figurante das funções maternas que faltam (em essência, a mensagem é: “Nunca mais você poderá me abandonar; daqui pra frente eu a controlo!”).
2-                              Desafio ao pai interno, que é considerado como tendo falhado em suas funções paternas e, portanto, é dispensado. Esta atitude é tipicamente projetada na sociedade (“Não me interessa o que você pensa de mim ou dos meus atos – vá pro inferno!”).
3-                             O último desafio é a propria morte e toma duas formas, Primeiro, há uma atitude onipotente que se gaba de que “nada me atinge – a morte é para os outros”. Depois, quando essa modalidade grandiosa de defesa desmorona e o sentimento de morte interior não pode mais ser negado, há a entrega aos impulsos da morte (“Talvez a próxima dificuldade [ou rodada, ou encontro] seja a overdose – e daí? Quem se incomoda com isso?”). (McDougall, 1995-2001:203)
Nascido desamparado, inteiramente dependente do outro para sobreviver, o bebê nasce para um mundo construído pela cultura, recebendo a marca indelével da linguagem. Diante desses três desafios citados acima, farei novamente um retorno a Freud, cuja formação estava centrada em neurologia, portanto um conhecedor das funções psíquicas em termos de localizações cerebrais. Os primeiros 25 anos do século XIX testemunharam um crescente interesse pela localização das funções cerebrais. Sabemos que no final do século XIX, o conceito de localização cerebral foi firmemente estabelecido nas neurociências. Hoje com o uso aumentado de técnicas sofisticadas em animais e humanos, os profissionais dessa área são capazes de construir mapas detalhados das funções cerebrais que são de grande valia. Porém, Freud a partir de suas experiências clínicas, foi se dando conta que os conteúdos mentais ultrapassam a explicação orgânica, concreta e estática pautada em lugares físicos e se exprimem com grande mobilidade psíquica através do deslizamento  simbólico. Dessa forma ele pôde construir uma teoria sobre a formação  das representações mentais, do afeto, da memória, linguagem, pensamento e da dinâmica intra-psíquica. Ele construiu uma teoria do aparelho psíquico que inclui conceitos que levam em conta o dinamismo da vida mental e a riqueza dos seus sentidos. Desde o início da vida, cabe aos pais/cuidadores poder dar sentido às  necessidades e às expressões  pré-verbais e corporais do bebê, significando–os e inserindo-os numa forma simbólica de comunicação. Nesse sentido, os fatores emocionais envolvidos nesse vínculo são essenciais para o desenvolvimento do pensamento, da simbolização, da criatividade e das palavras. Conforme Freud:
“Em nossa ciência, tal qual como nas outras o problema é o mesmo: por trás dos atributos (qualidades) do objeto em exame que se apresenta diretamente à nossa percepção, temos de descobrir algo que é mais independente da capacidade receptiva particular de nossos órgãos sensoriais e que se aproxima mais do que se poderia supor ser estado real das coisas. Não temos esperança de poder atingir esse estado em si mesmo, visto ser evidente que tudo de novo que inferimos deve, não obstante, ser traduzido de volta para a linguagem das nossas percepções, da qual nos é simplesmente impossível libertar-nos.” (Freud, 1940 [1938])
A psicanálise está centrada na significação das relações, sua lógica subjacente é a linguagem. O corpo existe em psicanálise, no sentido de ser habitado pela linguagem, Conforme Lacan o processo da passagem da criança do reino animal para o reino humano efetua-se pela instauração da ordem simbólica, o aforismo lacaniano – “O inconsciente é estruturado como uma linguagem” – como tal língua alíngua. Indica que é justamente através da aquisição da linguagem que as experiências corporais tornam-se significativas, se codificam e se estruturam. Conforme Jurandir Freire Costa em seu texto “A questão do sentido em psicanálise” ele afirma que:
“Pressupor que o sentido das palavras ou expressões está embutido nos referentes corporais ou mentais “não-lingüísiticos”, de qualquer natureza empírico-teórica, é um equívoco. Não possuímos nenhum bom argumento para provar a existência de  proto-sentidos pré-lingüísticos de estados ou eventos mentais que a linguagem, em seguida, virá a batizar. [...] Em primeiro lugar, estamos aconselhando os adultos a serem cuidadosos e carinhosos com os recém-nascidos e com as crianças em tenra idade; em segundo lugar, estamos projetando nos bebês e nas crianças não-falantes traços psicológicos reconhecidos como desejáveis, equilibrados etc. [...] Saber amar, não ser indiferente ao outro, evitar intimidá-lo ou coagi-lo pela violência são predicados estimados e aprovados por todos ou quase todos, em nossa cultura. Acreditamos que a criança que nasce e é educada em um clima afetivo caloroso tem menos chances de sofrer ou se sentir amedrontada por certos problemas da vida e maiores chances de amar e retribuir o afeto que recebeu.  Assim, tais qualidades morais ou éticas são percebidas como “naturalmente constitutivas” do repertório psicológico dos indivíduos mais aptos a se sentirem bem e a conviverem de forma harmoniosa com os ideais culturais dominantes.  Isso, é claro, nada tem de condenável. Só não justifica a tese que medo, amor ou retração afetiva são emoções que possuem um “sentido pré-verbal” idêntico ao sentido lingüístico que terá no futuro. [...] Na terminologia psicanalítica, emoções básicas são os elementos afetivos do imaginário pessoal ou cultural  capazes de estruturar ou desestruturar  o equilíbrio econômico e dinâmico do ego-narcísico. Cada cultura ou época histórica se define, em certa medida, pela  idealização consciente de inconsciente de complexos emocionais dessa ordem”. 
Explicando por meio da paráfrase winnicottiana, diríamos que da mesma maneira que não existe um bebê sem sua mãe, não existiria um indivíduo independente de um meio social e, consequentemente de sua comunidade lingüística. Como dizia Freud, tudo é aquilo e outra coisa ao mesmo tempo. O ser humano de modo frequente opera a partir de significados, colocando em segundo plano os fatos do mundo real. O desamparo humano, não decorre apenas diante das dificuldades do contato com o mundo exterior real, surge também diante do próprio interior do seu ser, do intolerável da intensidade das pulsões que provocam angústia. Certamente atribuições biológicas e disposições inatas passam por uma transformação simbólica. Diante disso, podemos dizer que o sentido da vida passa a não ser tão somente da ordem do biológico. Nascemos imersos em um campo indelével da linguagem, nos constituímos em um universo de símbolos que aderem ao nosso organismo alterando o predomínio biológico, o indivíduo humano assim transcende a grandiosa biologia tornando-se único e singular.
Garcia-Roza em seu livro “O mal radical em Freud” ao escrever sobre a pulsão diz que: “[...] ocupa um outro lugar, situado além da ordem e da lei, além do inconsciente e da rede de significantes, além do princípio de prazer e do princípio de realidade, além da linguagem: é o lugar do acaso” (1997:127). Ele ainda coloca que: “a redução da pulsão ao biológico foi um dos mais lamentáveis desvios impostos à teoria psicanalítica” (ibidem, 9). O que a meu ver Freud não a reduziu ao biológico apenas disse que “o nosso procedimento em psicanálise é inteiramente semelhante”. (Freud, 1940 [1938])
 Garcia-Roza assim como McDougall, pensam a pulsão de morte, como uma operação a serviço da vida. Observamos isso quando ele escreve:
“[...] enquanto a pulsão sexual é conservadora, pois além de constituir uniões tende a mantê-las, a pulsão de morte é renovadora. Ao colocar em causa tudo o que existe, ela é potência criadora. [...] é, portanto, criadora e não conservadora, posto que impõe novos começos ao invés de reproduzir o ‘mesmo’. A verdadeira morte – a morte do desejo, da diferença – sobrevém por efeito de Eros e não da pulsão de morte. [...] o verdadeiro conservadorismo não é pois o da pulsão de morte e sim o da pulsão sexual [...] a pulsão de morte teria então por meta superar a monotonia sem fim da pulsão sexual enquanto reprodutora do ‘mesmo’ ”. (1997: 134-137-150)
Notamos aqui um giro na concepção tradicional sobre a pulsão de morte freudiana, podendo abrir novas perspectivas, indicar novos caminhos, para o campo do trabalho analítico. O processo de produção social das toxicomanias segue as vias do mercado de drogas ilícitas, encontrando respaldo e subsidio na ética da sociedade do espetáculo e do narcisismo, sendo assim não cabe a nós psicanalistas apenas pregar a abstinência buscando conter o gozo em nome de um sentido de uma suposta normalidade. No intrincado mundo das toxicomanias, sua implicação, cabe dizer, que este está inserido em tabus no qual fatos históricos são deformados pela imaginação – lendas e mitos – autorizando a elaboração de considerações extremamente distorcidas. Freud em sua Conferência XXXII – Ansiedade e vida instintual - (1932-1936) nos fala dos mitos e diz que:
“A teoria dos instintos é, por assim dizer, nossa mitologia. Os instintos são entidades míticas, magníficos em sua imprecisão. Em nosso trabalho, não podemos desprezá-los, nem por um só momento, de vez que nunca estamos seguros de os estarmos vendo claramente”.
VII – I – Os sujeitos drogadictos – toxicômanos – e seus impasses
No caso das toxicomanias, devemos incluir em nossa reflexão posicionamentos sobre vários aspectos, entre eles: a família, os impasses do sujeito contemporâneo e a produção de sintomas sociais. O toxicômano é em tese declarado como pertencente a uma disfunção familiar. Surgindo assim um movimento de culpabilização que aponta para a família, que se origina no uso de drogas que parte de seus integrantes. Por que a família tende a se considerar a única responsável pela situação? Considero pertinente este tipo de interrogação, posto que, a família enquanto pertencente há um mecanismo social tem sido apontada a ocupar um lugar central – como única representante do campo social – na guerra contra as drogas, mesmo que esse problema dos narcóticos englobe uma escala crescente nacional e internacional. Existem diferentes eixos atravessados na questão das drogas, seu consumo na sociedade contemporânea vem marcar uma complexidade de difícil resolução. O crescimento do consumo de drogas ilícitas nas ultimas décadas aponta para preocupações não somente da parte isolada dos pais de famílias assustados com a toxicomania dos filhos, mas também dos governantes de vários países. Hoje, essa temática é formada por uma questão social séria, nunca na história da humanidade se consumiu tanta droga como atualmente. De acordo com relatório mundial sobre drogas (2009), lançado pelo Escritório das Nações sobre Drogas e Crime (UNODC), o mercado global de cocaína, opiáceos (ópio, morfina e heroína) e de maconha está estável ou em declínio, enquanto a produção e o uso de drogas sintéticas estão em crescimento nos países em desenvolvimento. Contrastando com o declínio do consumo de cocaína na América do Norte e a estabilização na Europa, o consumo da cocaína na América do Sul parece estar em crescimento. (http://www.antidrogas.com.br/conteudo_unodc/WDR_2009_Referencias_ao_Brasil.pdf). O narcotráfico já existia bem antes da proposta de globalização da economia mundial, porém as substâncias tóxicas deixaram de fazer parte apenas de grupos específicos, passando a abranger todas as idades e níveis econômicos. Os indivíduos hoje têm mais acesso as informações e as maravilhas tecnológicas, contudo estão mais expostos a instabilidade de um momento histórico marcado por mudanças de paradigmas. Uma das causas mais impactantes que podemos observar em nossa sociedade é a de alcançar a felicidade a qualquer custo. Desde cedo as crianças tem como modelo de felicidade o consumo – aquilo que posso comprar poderá me trazer felicidade – e as drogas ilícitas permeiam esse modelo através da propaganda, o prazer instantâneo obtido com essa substância unida a imaturidade não favorecem a maiores preocupações ligadas ao risco. O uso de substâncias tóxicas está intrinsecamente ligado ao estado emocional do usuário, suas expectativas em relação à droga, e o meio em que vive. Não há como negar que a droga tanto aumenta o prazer quanto diminui a sensibilidade ao desprazer, o que diferencia esses indivíduos que buscam drogas ilícitas é tanto a quantidade utilizada como a freqüência e consequentemente a apresentação de determinados sintomas ou sinais. Por exemplo, temos os indivíduos que ‘experimentam’ sendo levado pela curiosidade – usam uma ou algumas vezes podendo perder o interesse total em repetir a experiência, temos os chamados ‘usuários ocasionais’ que utilizam um ou vários tipos de substâncias quando disponível ou em ambiente considerado favorável – sem apresentar distúrbios afetivos, sociais ou profissionais – temos os chamados ‘usuários habituais’ aqueles que fazem uso freqüente – ainda não apresentando distúrbios afetivos nem perda de controle – e por fim os chamados ‘drogadictos’, aqueles que fazem uso de maneira freqüente e exagerada – apresentando rupturas em seus vínculos afetivos, danos físicos de toda ordem, indicando assim uma perda de controle sobre o consumo de drogas. O drogadicto possui acentuadas características de manipulação, imediatismo e não aceitação de limites ou grande dificuldade em aceitá-los, etc. O grande impacto que o uso de drogas ilícitas causa na família, pode provocar reações de rejeição e exclusão do usuário, levando-o muitas vezes, ao aumento do consumo, em geral a família é preconceituosa e sofrida. Inicialmente, tende a se considerar falida – mediante a culpabilidade que lhe é apontada – negando até a existência do fato, porém essas posturas são pouco propícias à resolução do problema. A família do toxicômano que chega ao consultório é sempre aniquilada, culpada, desorientada, seus membros trocam acusações e buscam explicações para entender o que está acontecendo, como se fosse suficientemente fácil entender e, se isso resolvesse a situação. O sentido de fracasso e a vergonha impedem que o problema seja exposto de modo transparente. As famílias precisam entender que ter um toxicômano na família requer uma crescente aceitação da dependência como uma doença, permitindo com isso uma mobilização na tentativa de resgatar o toxicômano, para que possa vir a se estabelecer uma harmonia familiar, um reconhecimento de suas necessidades e de seus limites. Não existem soluções mágicas, geralmente a família desenvolve mecanismos de defesa dando a sensação de que algo está sendo feito. É muito complicado e difícil para família tomar consciência da sua própria dinâmica para poder aceitar alguma mudança. O abuso de drogas verificado nos últimos anos e suas conseqüências na vida do indivíduo e da sociedade é considerado, hoje, um problema de saúde pública, por um lado ela é sustentada pelo toxicômano e por outro pela máfia do narcotráfico, que se multiplicam como heróis e benfeitores das comunidades carentes. As drogas estão em todos os lugares, vão à escola, danceterias, clubes, bares, residências, igrejas etc. Normalmente as pessoas pensam que para consegui-las é preciso enfrentar a marginalidade, mas isso é irreal. Vivemos  em um mundo do delivery e isso inclui às drogas, basta uma ligação e elas chegam a nós com a mesma facilidade com que pedimos uma pizza no final de semana. Hoje há até uma maior maturidade em relação à questão das drogas psicoativas, o próprio Governo Federal já exibe campanhas de tratamento e prevenção, vários órgãos governamentais têm projetos em todo país de combate ao narcotráfico e tratamento de dependentes, porém a situação vem se tornando cada vez mais alarmante e com grande impacto social, reivindicando maior atenção. Há uma evidência quanto a ineficácia do sistema governamental, e também não temos hoje um sistema de saúde que possa dar conta de tamanha demanda. As conquistas da ciência tecnológica e a produção cultural que talvez pudessem edificar o humano para outra esfera civilizatória mais condizente parecem ter se dispersado pelo caminho, contribuindo, no entanto para o surgimento de uma reedição piorada dos nossos ancestrais primitivos, tamanha barbárie que estamos presenciando.  A toxicomania tem seu poder de destruição independente de qualquer classe social. Os drogadictos pertencentes a famílias com maior poder aquisitivo se internam em clínicas particulares ou até fazem uso dentro das próprias famílias, com o consentimento e manutenção destas, movidas principalmente pelo preconceito desse episódio vir a se tornar público, ao passo que as camadas menos favorecidas estão fadadas a explicitarem publicamente sua degradação. Os mitos sobre as drogas atingem tanto aspectos positivos quanto negativos. Alguns lhe atribuem esperança, felicidade, sensação de potencia e principalmente poder, outros lhe conferem o repúdio, a alienação, o medo, o mal etc., mitos que no fundo servem apenas para sossegar as consciências individuais e coletivas. Quanto aos mitos que permeiam o indivíduo drogadicto, geralmente tendem a conceituar de marginal filiado aos atos de criminalidade e até doentes. Devemos primeiramente compreender que não só as drogas ilícitas são perigosas, portanto, conhecer um pouco mais sobre drogadicção, a fim de orientar pessoas a não se enveredarem por este caminho, sem se utilizar de informações inadequadas e/ou preconceituosas, é um ato de amor. É importante estar ciente destas questões para que não se corra o risco de ser simplista ou radical sem, no entanto, ter conhecimento de causa. Não devemos considerar determinadas substâncias psicoativas como inofensivas, uma vez que sua ação se torna bastante variável de acordo com o organismo do indivíduo, forma de uso, dosagem, frequência, circunstâncias do uso etc., além dos problemas fisiológicos que podem desencadear tanto a curto quanto em longo prazo, o risco é muito grande. O álcool culturalmente pra nós por não ser uma substância ilegal, é utilizado com muito mais frequência e intensidade, tendo seus efeitos potencializados caso seu uso seja concomitante com outras drogas – ou até determinados medicamentos. Mascar folhas de coca, por exemplo, é um hábito cultural milenar dos povos andinos, seguido por métodos disciplinares e tradicionais de uso, porém, aspirar o pó desta substância, injetá-la, diluída, ou mesmo fumar seus cristais – crack – são maneiras bastante perigosas de uso, já que fornecem doses maiores do mesmo princípio ativo, causando maior poder tóxico. No aspecto cultural e até contraditório a maconha recebe o título de droga natural, porém é uma droga que altera a percepção, é alucinógena e provoca distúrbios no funcionamento do cérebro – fazendo com que ele funcione de forma desordenada, causando uma espécie de delírio – há diminuição dos reflexos, em doses altas pode haver ansiedade intensa, pânico, quadros psicológicos graves como a paranóia, seu uso contínuo pode vir a configurar um estado de desânimo generalizado. Determinadas substâncias psicoativas apesar de não causarem dependência e tampouco serem consideradas drogas - devido ao contexto em que estão inseridas – podem causar reações perigosas e adversas. Dentre as várias possibilidades de experiências que atualmente se apresentam principalmente aos adolescentes, podemos observar o uso tanto de drogas lícitas como ilícitas. A meu ver drogadicção tem cura, dizer que não tem é ir contra a história vivenciada por cada ex-drogadicto. Podemos observar que o ex-drogadicto será sempre um vigilante de si mesmo, sempre se auto-educando, uma nova maneira de viver requer suas limitações, como por exemplo, a de um hipertenso ou diabético. As fraturas ocorridas no modelo social criaram fortes rupturas favorecendo o aumento do individualismo operante hoje. As famílias se estruturaram ao longo da história a partir de pertencimentos sociais extremamente distintos. Se partirmos da concepção do estreitamento que a relação da droga estabelece com a violência desencadeando uma ruína na sociedade contemporânea, esse problema para ser enfrentado, requer uma participação multidisciplinar, não podemos apontar somente a família, como a principal responsável pela contenção dos possíveis desvios de seus membros. Não se trata aqui da família culpar os amigos, a sociedade sem enxergar seus próprios erros. A prevenção se inicia a partir do laço familiar, porém, de modo geral todo indivíduo vive várias formas de pertencimento social. A questão da toxicomania na contemporaneidade requer uma compreensão bem ampla, para além da família. Razões econômicas, políticas e sociais fizeram do comércio das drogas lícitas e ilícitas um investimento dos mais lucrativos nos últimos tempos, estimulando a especulação da dependência e do consumo. Políticas repressivas baseadas apenas na perseguição e criminalização do mero usuário, ecoam como atitudes inúteis e ineficazes. Contudo, a Secretaria Nacional Antidrogas, no âmbito de prevenção – não podemos deixar de reconhecer – mesmo que engatinhando, tem realizado fóruns, seminários, debates, treinamentos profissionalizantes em todo o país. Porém, ainda nos encontramos muito distantes da condição mínima ideal de acolhimento desses indivíduos nos sistemas públicos de saúde.
VII – II – Uma visão psicanalítica da questão do tratamento e a
Irmandade de Narcóticos Anônimos auxiliando no processo de recuperação da drogadicção – toxicomania
Primeiramente quero deixar claro que essa proposta de reflexão tem como foco o drogadicto/toxicômano – aquele que foi literalmente aniquilado pela droga. Sendo assim seria um equívoco incluir todo tipo de consumo de drogas nessa condição mórbida. Estudos epidemiológicos nacionais e internacionais evidenciam que o consumo de drogas freqüentemente está fortemente ligado ao período da adolescência, podendo ser explicado pela presença de inúmeros fatores psicossociais de risco para o uso, abuso e dependência de drogas, tais como, culturais/sociais, condições familiares adversas, educacionais, situação de pobreza, interpessoais dentre outros. Fatores preventivos incluem um ambiente estável, forte vínculos entre pais e filhos, disciplina, supervisão parental consistente, vínculos a instituições sociais e associações que promovam atitudes e comportamentos convencionais. Não há um caminho que possamos considerar como único para quem quer se livrar da dependência tóxica. Dependendo do indivíduo a ajuda vinda dos grupos de anônimos, das psicoterapias, das instituições religiosas, e até de alguns medicamentos que temos hoje no mercado farmacológico, os quais devem ser prescritos e o seu uso acompanhado pelo profissional médico autorizado a prescrevê-los, são válidos. As intervenções consideradas eficazes aos toxicômanos como sabemos privilegiam a ordem do anonimato, assim como é o caso dos alcoólatras anônimos, narcóticos anônimos etc. Onde seu principio não é baseado na cura, eles oferecem somente um plano comprovado para a recuperação diária. Cujo lema é: Só por hoje, você não tem que usar nunca mais! Uma das condições que possibilitam um indivíduo entrar em contato com uma organização anônima é, de ele possuir um mínimo de conscientização e percepção sobre seu mundo pessoal aniquilado, tanto internamente quanto externamente. Assim como o próprio indivíduo, as pessoas que a ele estão ligadas por vínculos afetivos direta ou indiretamente de certa forma também se encontram em um estado de aniquilação. Há somente um requisito para ser membro – o desejo de parar de usar – porem, para que isso aconteça existem muitas pedras no caminho a serem retiradas. “Tivemos a chegar ao nosso fundo-de-poço antes de estarmos dispostos a parar”. (NA, 1993:7). A base do programa de recuperação de Narcóticos Anônimos é uma série de atividades pessoais conhecida como Doze Passos, adaptados dos Alcoólicos Anônimos. Algo enfático no programa é o chamado despertar espiritual, ressaltado como valor prático e não sua importância filosófica ou metafísica. O NA em si, não é um programa religioso, apenas encoraja cada membro a cultivar um entendimento pessoal, religioso ou não, de um despertar espiritual. Nas reuniões, cada membro partilha experiências pessoais com os outros participantes buscando ajuda, simplesmente como pessoas que tiveram problemas similares e encontraram uma solução. Narcóticos Anônimos não têm terapeutas, não oferece moradia, não encaminha o dependente para clínicas ou para serviços médicos. A coisa mais próxima do que eles chamam de conselheiro do programa de NA é o padrinho ou madrinha, um membro experiente que oferece ajuda informal aos membros mais recentes. No grupo, a recaída é vista como uma parte necessária no processo de adicção/recuperação para muitos indivíduos. Pessoas que passam por esse processo não devem ser julgadas, mas sim encorajadas a se levantarem, a aprenderem com sua experiência e a prosseguir com o programa. Narcóticos Anônimos considera o álcool como droga, e entendem a designação droga de escolha irrelevante para o programa porque, focalizam a doença da adicção/toxicomania em si, não em uma droga específica. Existem reuniões fechadas e abertas, as fechadas são somente para adictos a drogas ou para aqueles que dizem ter um problema com drogas. Elas proporcionam uma atmosfera na qual os adictos podem se sentir mais seguros de que haverá uma identificação entre os presentes. O líder geralmente lê uma introdução no início explicando porque a reunião é fechada, oferecendo direcionamento aos não adictos para que possam estar presentes em reuniões abertas. As reuniões abertas se destinam a quem queira assistir, alguns grupos têm reuniões abertas uma vez por mês para permitir que amigos não adictos e familiares de membros de NA celebrem com eles aniversários de recuperação. A experiência de seus membros tem mostrado que a completa e contínua abstinência é a melhor base para a recuperação e o crescimento pessoal. Vários de seus membros reconhecem que tiveram sucesso significante ao tratar de seus próprios problemas de toxicomania, mas não afirmam que o NA possui um programa para todos adictos, sob todas as circunstâncias, ou que suas visões terapêuticas deveriam ser universalmente adotadas. Eles não expressam opiniões sobre assuntos civis, sociais, médicos, legais ou religiosos, nem tomam posição sobre assuntos secundários relacionados à adicção, tais como: criminalidade, aplicação de leis, legalização de drogas ou penalidades, prostituição, infecção por HIV ou programas de redução de danos com distribuição de seringas, declaram somente que se um adicto deseja parar de usar, Narcóticos Anônimos estará pronto a ajudá-lo. Os grupos são inteiramente auto-sustentados por seus membros e não aceitam contribuições financeiras de pessoas de fora do movimento. Um dos princípios da Irmandade de Narcóticos Anônimos é de que o indivíduo mantenha a mente aberta e assuma sua condição de membro participante, reparando todas as suas ações que prejudicaram outras pessoas, assumindo primeiramente a culpa para poder tomar para si as responsabilidades de seus atos. Portanto, essa Irmandade promove com isso, meios para que o indivíduo seja capaz de recriar seu mundo interno e externo. Os objetos restaurados se tornam assimilados pelo indivíduo permitindo o fortalecimento do próprio ego. (Segal, 1975) Conforme a Irmandade de Narcóticos Anônimos, a maioria dos drogadictos não se considera aniquilados pela droga antes de chegarem ao programa de Narcóticos Anônimos, se tornam reféns da droga sem que eles percebam.
“Hostis, ressentidos, egocêntricos e egoístas, nos isolávamos do mundo exterior. [...] apesar de tudo continuavam dizendo: “Eu consigo controlar”. [...] Quando a nossa adicção era tratada como crime ou deficiência moral, nós nos rebelávamos e éramos confinados ainda mais ao nosso isolamento. Um aspecto da nossa adicção era a nossa incapacidade de lidar com a vida como ela é”.
Em “O mal-estar na civilização” (1930), Freud deixa claro sobre as tensões entre as pulsões do ser humano e as restrições que a civilização impõe. Na toxicomania, mesmo se tratando de um consumo que tenha se iniciado como uma prática relativa a um pertencimento em grupo, a droga inclina o sujeito no caminho de um gozo isolado, comportamento trivialmente revelado na clínica mediante a transferência. Todos nós sentimos como traumáticas as perturbações ou as insuficiências do universo simbólico, porém uns suportarão melhor que outros essa falta estrutural da existência. Diante de crises de angústia que constituem a condição ontológica da existência humana, a busca da droga que embora produza gozo, potencializa o isolamento. “Nossa doença nos isolava das pessoas, a não ser quando estávamos obtendo, usando e arranjando maneiras e meios de conseguir mais. [...] Nossa habilidade de viver ficou reduzida ao nível animal.” (NA, 1993:4:5) Podemos observar aqui um funcionamento pertencente a ordem do processo primário – busca pelo prazer imediato – o objeto sendo apreendido como instrumento de uso para satisfação de prazer referente a um gozo narcísico. Freud em seu texto “Psicologia de grupo e a análise do ego” (1921) nos diz que:   
“[...] leva-nos a presumir que seu ego possuía poucos vínculos libidinais; ele não amava ninguém, a não ser a si próprio, ou a outras pessoas, na medida em que atendiam às suas necessidades. Aos objetos, seu ego não dava mais que o estritamente necessário”. (Psicologia de grupo e a análise do ego (1921) – X – O grupo e a horda primeva)
                A ação é a maneira mais primitiva de descarga de tensão psíquica e angústia, o sujeito toxicômano tem uma tolerância muito pequena à tensão, sendo que a maneira por ele mais conhecida de processar os impulsos internos originados na vida pulsional é pela descarga (eliminação do desprazer), onde os processos de elaboração psíquica diminuem. Experimentar a ausência do objeto supõe a tolerância a uma situação de frustração, a incapacidade de esperar e a intolerância à frus­tração são marcantes na toxicomania condizente com a exigência de busca do pra­zer imediato. Esta necessidade sinaliza um mau funcionamento nos processos de simboli­zação e representação psíquicas. Um dos principais fatores que influenciam na formação de um grupo como, por exemplo, nessa Irmandade diz respeito ao mecanismo de identificação – que constitui a forma mais primitiva e original do laço emocional – ou seja, possibilidade ou desejo de colocar-se na mesma situação. Podemos observar esse mecanismo em diversos momentos dos textos da Irmandade, por exemplo:
“Seguimos o mesmo caminho, com uma única exceção: nossa identificação como adictos inclui toda e qualquer substância que modifique o humor ou altere a mente. [...] nosso problema não é uma substância específica, é uma doença chamada adicção. Quando nos identificamos como adictos, a ajuda torna-se possível. Nossas reuniões são um processo de identificação,[...]” (NA, 1993:XIII:8).
O que denomina um adicto é a reação do indivíduo perante o uso das drogas, e não exatamente a quantidade que é usada, cada um é cada um. Porém, para existirem laços afetivos é preciso que haja um freio na dinâmica narcísica além de uma redução da ambivalência. Freud (1921) já percebia que “[...] a psicologia dos grupos é a mais antiga psicologia humana [...]” (Psicologia de grupos e a análise do ego). Quando um grupo se forma, a adicção individual a que esse grupo pertence, aparentemente tende a desaparecer, podendo ser considerado como um fenômeno grupal. Para Wilfred Ruprecht Bion – psicanalista britânico de grande influência e um pioneiro em dinâmica de grupoa condição humana é de essência grupal. Na sua concepção, o humano de alguma maneira estará sofrendo as influências de um grupo desde que é gerado, sem ter condição alguma de escolha grupal, que já ao nascer sofre as pressões e ações do grupo sobre si. Bion desenvolveu vários conceitos entre eles o da mentalidade grupal, cultura grupal etc. No caso dessa Irmandade de NA, penso que o grupo acaba por possibilitar uma experiência social menos ameaçadora, experiência essa trazida pelos próprios elementos do grupo, já que apresentam a vida lá fora como sendo permeada pelo preconceito, pela desvalorização e pelas conseqüentes dificuldades de inserção social. O grupo passa a agir como um novo modelo identificatório, proporcionando com isso novos vínculos, diferentes relações de valores, visualização de formas antigas e comparação com novas possibilidades, a fim de que através de um contexto grupal, possam ser conscientizadas e transformadas, não mais em torno da droga/tóxico, mas de um caminho em busca da libertação da mesma. Podemos perceber que o programa de NA, portanto, só é capaz de beneficiar indivíduos que possuam recursos suficientes para reconhecer a sua realidade interna e consequentemente a externa. A proposta do primeiro passo da Irmandade exige um compromisso definitivo com a realidade e com o possível funcionamento do processo secundário, podemos observar isso quando lemos: “A ajuda aos adictos só começa quando somos capazes de admitir a completa derrota. [...] Entretanto, nenhum dos passos trabalha por mágica.” (NA, 1993:24). Este pode ser considerado, a meu ver, o mais importante dos passos, pois possibilita a inserção de um compromisso com a realidade externa. A introdução de um outro – no despertar espiritual – surge no segundo passo. “Viemos acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos à sanidade”. (NA, 1993:24). Observamos também que o primeiro passo deixa um vazio, contribuindo para a necessidade de um despertar espiritual, algo que os ajude a suportar a impotência, inutilidade e desamparo. Os anônimos de certa forma com esse Poder maior retiram dos dependentes o sentimento de onipotência e inserem a necessidade de uma fé e sanidade. Nos grupos, eles precisam admitir que são incapazes de controlar seus impulsos e que um poder superior os orienta. A dor nos força a buscar um Poder maior do que nós, que possa aliviar nossa obsessão de usar. [...] A única diretriz sugerida é que este Poder seja amoroso, cuidadoso e maior do que nós”. (NA, 1993: 25:26). Podemos observar aqui que o vinculo obtido anteriormente com o objeto idealizado – objeto/tóxico – agora é substituído por um objeto pertencente a ordem simbólica (um Poder maior – um Deus). Este outro precisa possuir, usando uma linguagem winicottiana, recursos suficientemente bons para poder amar, cuidar e amparar esse indivíduo que apresenta uma insuficiência egóica. A crença em um Poder amoroso, cuidadoso se torna imprescindível para uma reconstrução do sujeito no sentido de um ser agora acolhido. McDougall nos diz que:
“[...] organizações como os Alcoólicos Anônimos podem desempenhar uma função terapêutica vital, ao proporcionarem uma comunidade que oferece cuidados, pelo qual cada membro é cercado – criando, por assim dizer, um novo ambiente familiar, com cuidado materno mais adequado do que aquele que esteve disponível no passado”. (McDougall, 1995-2001:202).
Ao decorrer dos doze passos podemos perceber a necessidade de aceitação por parte do individuo de cada passo, para poder desde modo prosseguir. É preciso que tenha havido uma identificação a cada um dos passos. Em relação ao Poder maior – mesmo com suas ressalvas sobre religião, sendo considerada por ele como uma ilusão criada pelo homem, contida em um prolongamento da infância, uma inconsciente necessidade do pai relutante em ser abandonada, tão confortável ao humano – Freud dizia que “O crente está ligado aos ensinamentos da religião por certos vínculos afetivos” (O Futuro de uma ilusão). E ainda acrescenta “Que o efeito das consolações religiosas pode ser assemelhado ao de um narcótico [...] (O mal-estar na civilização). Pensando por essa via, a meu ver, esse programa de NA vem oferecer ao toxicômano uma oportunidade de crescimento e amadurecimento egóico, bastante similar às necessárias para um desenvolvimento infantil satisfatório. Segundo o princípio do prazer em relação a religião, formulado por Freud, indica que:
“[...] aquilo que identificamos como sendo uma das técnicas para realizar o princípio do prazer foi amiúde vinculado à religião; essa vinculação pode residir nas remotas regiões em que a distinção entre o ego e os objetos, ou entre os próprios objetos, é desprezada”.
Uma construção egóica deteriorada - pertencente aos toxicômanos, digamos uma religiosidade próxima a uma imaturidade humana. De acordo com ele seria mais valida a substituição de uma consciência religiosa por uma compreensão racional, fazendo com que o individuo venha a perceber que os segmentos das normas é uma necessidade social. Podemos ver que apesar da utilidade das religiões nas curas, para Freud ela pode ser facilmente substituída pela crença do indivíduo em suas próprias capacidades, transformando o seu meio sem precisar de ilusões. Não pretendo aqui avançar nessa questão, até hoje bastante enigmática. Conforme os Narcóticos Anônimos:
“[...] decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da maneira como nós O compreendemos. Não precisamos ser religiosos; qualquer um pode dar este passo. Só é preciso boa vontade. [...] Descobrimos que tudo o que precisávamos fazer era tentar”. 
O meu propósito aqui é tão somente validar a importância de entidades como o NA, as quais prestam serviços extremamente relevantes àqueles que a procuram, pois existem ainda infelizmente, muitos preconceitos quanto a entidades deste tipo, mas convém evidenciar – para que as pessoas possam desmistificar – que este tipo de suporte é absolutamente válido em termos terapêuticos e sociais. Criam-se vínculos afetivos dentro destas entidades, que não devem ser menosprezados. Concordo plenamente que existem membros que talvez precisem de uma assistência médica, que fatalmente acabam procurando. Penso ser importante para psicanálise uma reflexão a esse respeito e também uma clínica otimista, possibilitando o analisando reconhecer capacidades criativas, propiciando condições de crescimento fazendo despertar potencialidades amorosas e empáticas provavelmente de difícil acesso devido à ausência de uma infância – no sentido winicottiano – suficientemente boa, ou até mesmo desconectada, desconhecida ou até enclausurada pela toxicomania. Os aspectos mais graves da drogadicção/toxicomaníaca são sua patologia e seus danos não perceptíveis, não admitidos, mascarados e minimizados. É fato que o vínculo inicial com os toxicômanos é extremamente frágil, devido a sua negação e onipotência, é importante estarmos atentos evitando confrontações ou posturas que possam ser interpretadas como autoritárias ou preconceituosas. A contratransferência com toxicômanos é vista como semelhante àquela que se experimenta com pacientes psicóticos, provocando reações de intensa frustração, ódio ou desesperança, devido às freqüentes recaídas. Como nos diz McDougall “as recaídas são antes a regra do que a exceção”. As taxas de recaída são elevadas, com a maioria dos indivíduos retornando aos níveis de consumo em um ano após a primeira tentativa de abstinência. Alguns analisandos podem ter a necessidade de serem hospitalizados, várias vezes antes de alcançarem uma abstinência mais consistente. Certamente os casos de toxicomanias requerem procedimentos terapêuticos multidisciplinares intensivos e rigorosos, cuidados indispensáveis. Aqueles que podem receber mais apoio geralmente apresentam níveis mais elevados de bem-estar subjetivo, ligado ao pós-tratamento hospitalar do abuso de substâncias. A terapia psicanalítica é válida como um recurso específico para que o toxicômano alcance a conscientização do que está por trás da sua dependência, referente a ordem psíquica, onde os medicamentos não alcançam, podendo com esse atendimento suportar o desamparo inerente a condição humana, construindo novos sentidos para sua existência. Sabemos que as clínicas que tratam dependentes costumam manter dentro delas grupos de AA's e NA's. Penso, que a compreensão de maneira geral de quais os tipos de pessoas que melhor se beneficiam com o apoio em NA poderá ajudar os profissionais de saúde a olhar a questão do tratamento de uma forma mais abrangente. Penso que a psicanálise deve levar em conta estas singularidades, pois quem usa drogas são os seres humanos.
VII – III – Comorbidades – Breve comentário
O termo ‘comorbidade’ é formado pelo prefixo latino cum, que significa contiguidade, correlação, companhia, e pela palavra morbidade originada do latim morbus, que designa doença, latimestado patológico, por isso, o uso da palavra comorbidade deve ser apenas utilizado para descrever a coexistência de transtornos ou doenças, e não sintomas. A palavra comorbidade é em psiquiatria definida como a ocorrência conjunta de dois ou mais transtornos num mesmo indivíduo avaliado clinicamente, também conhecido como diagnóstico duplo. No estudo da dependência química, a manifestação de transtornos mentais e de comportamentos decorrentes do uso de substâncias e de outros transtornos psiquiátricos vem sendo bastante estudada já desde os anos 80. Os dependentes de substâncias psicoativas frequentemente deixam de ser submetidos a avaliações diagnósticas. Porém, a não identificação de transtornos psiquiátricos associados à toxicomania resulta em intervenções terapêuticas deficientes. Quais os transtornos psiquiátricos mais associados às toxicomanias? De acordo com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), transtornos frequentemente encontrados entre os dependentes de substâncias psicoativas são: depressão, de conduta (devendo ser observado muito atentamente, pois pode estar ligado apenas ao consumo abusivo da droga), bipolar, de ansiedade, obsessivo-compulsivo, de personalidade, distúrbio do pânico, fobia social e, mais raramente alguns tipos de psicoses, porém o que mais se associa ao abuso e a dependência de drogas é a depressão. Mais recentemente descobriu-se que indivíduos com transtornos neurocognitivos – de aprendizagem – estão mais propensos a se tornarem dependentes de drogas, podem se manifestar através de problemas de atenção, memória, concentração ou linguagem, entre outros. A grande dificuldade decorre de, com muita frequência, esses sinais não serem identificados nem pelos familiares nem pela escola, podendo estar presentes desde a mais tenra idade. Muitos jovens considerados rebeldes, preguiçosos, desinteressados, vagabundos ou indisciplinados, na verdade podem apresentar um transtorno específico de aprendizagem ou de atenção. É importante ressaltar que estes transtornos prejudicam profundamente a auto-estima e o desenvolvimento das crianças e dos jovens, atrasando ou até mesmo impossibilitando o uso de suas potencialidades. Se fossem diagnosticados de modo correto, esses distúrbios poderiam ser hoje facilmente tratados, evitando assim as conseqüências drásticas que ocorrem quando não são identificados. Como exemplos disso, muitos dependentes de drogas que apresentavam transtorno de atenção, quando o problema foi adequadamente tratado, pararam de consumir drogas.
Todo dependente de drogas precisa de internação? Na maior parte dos casos, o tratamento do dependente de drogas não requer internação, nos casos raros em que é necessária, ela deve ser decidida com base em critérios claros e bem definidos, sendo, portanto estabelecidos por um médico especialista. A internação de um dependente de drogas sem necessidade – ainda não suficientemente convencido da necessidade de ajuda – pode levar até mesmo a um aumento do consumo. Após uma internação indevida o retorno ao consumo pode acontecer por diversas razões, podendo até estar ligado a sentimentos de revolta. Infelizmente na atualidade a sociedade tende a considerar lícito qualquer recurso para diminuir todo tipo de sofrimento, não importando sua origem e muito menos seu valor ético. O importante é não sofrer, é diminuir ou acabar com o sofrimento, cujo alívio passa a justificar a ingestão desde um medicamento – phármakon – como o uso de substâncias tóxicas – phármakon – tudo isso contribui para o fato de muitos indivíduos, considerarem normal o suicídio como também uma forma de alívio lícito do sofrimento. A maioria dos modelos de tratamento focaliza principalmente a dependência da droga, embora esse seja realmente o ponto central que leva a pessoa a procurar tratamento, os toxicômanos frequentemente apresentam outros problemas associados ao uso abusivo de drogas. É extremamente importante que esses transtornos recebam a devida atenção, pois se não forem também tratados haverá uma grande probabilidade do indivíduo voltar a ser dependente. Por exemplo, dependente de drogas que também apresenta depressão – transtorno considerado pelas pesquisas do CEBRID como muito frequente – deverá receber tratamento não apenas da dependência, mas também da depressão. Se o tratamento for dirigido apenas para a dependência, sua depressão não tratada provavelmente o levará a abusar de drogas novamente. Portanto, o abuso de substâncias é o transtorno coexistente mais frequente entre os portadores de transtornos mentais, é fundamentalmente correto o diagnóstico das patologias envolvidas. Nesse sentido seria de grande valor um profissional da saúde agindo conjuntamente com as organizações anônimas.
A razão pela qual um individuo abusa de substâncias psicoativas  está muito além de um controle externo,  está no próprio vir a ser do humano.
“Que os jovens modifiquem a sociedade e ensinem aos adultos a ver o mundo com olhos novos, mas, onde houver o desafio de um rapaz ou de uma moça em crescimento, que haja um adulto para aceitar o desafio. Embora ele não seja agradável, necessáriamente”. (D. W. Winnicott)
 
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