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V – II – Desamparo Humano e a Psicopatologia das Adicções - Texto VIII

O termo psicopatologia foi utilizado no fim do século XIX, pela medicina, psicologia, psiquiatria e psicanálise, para designar os sofrimentos da alma e, de maneira mais ampla distúrbios do psiquismo humano, a partir de uma distinção ou de um deslizamento dinâmico entre o normal e o patológico, variável conforme as épocas. O ser humano é necessariamente um ser relacional, o processo de socialização para as ciências humanas no qual, o recém nascido percorre para constituir-se impõe a presença de outros seres humanos. Portanto, a humanização exige o Outro, trata-se de um processo gradativo humano, um estar vivo desde os primeiros anos de vida. Aspectos socioculturais, marcados pelo modo de vida consumista da contemporaneidade, acabam por influenciar a psicopatologia da época atual – as psicopatologias do self, os transtornos no campo das relações de objeto, os transtornos no campo da pulsionalidade, os problemas contidos mediante as falhas nas cadeias de mediação entre processos primários e processos secundáriosonde os indivíduos se encontram frente a um empobrecimento da fantasia, o que tem contribuído por aumentar a frequência de quadros clínicos em que o sujeito apresenta uma problemática marcada por mecanismos compulsivos.
Na contemporaneidade podemos observar a existência de um número cada vez maior de sujeitos implicados em uma busca de gozo constante, apresentando um déficit na fantasia e padecendo pela manutenção no âmbito das pulsões. Trata-se de uma violência psíquica agora resignificada, a nitidez do problema do excesso pulsional e dos limites da representação, onde o fenômeno da compulsão à repetição é marcante, aliado a uma condição de fragilidade narcísica ao nível do ego. O corpo, por conseguinte, passa a assumir um lugar de centralidade na cultura contemporânea, o que implica uma mudança no processo de subjetivação dos indivíduos. Em “Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna” (1908), Freud transcreve o testemunho de um eminente observador da sua época, W. Erb (1893), expondo que:
“Cresceram as exigências impostas à eficiência do indivíduo, e só reunindo todos os seus poderes mentais ele pode atendê-las. Simultaneamente, em todas as classes aumentam as necessidades individuais e a ânsia de prazeres materiais; um luxo sem precedentes atingiu camadas da população a que até então era totalmente estranho; a irreligiosidade, o descontentamento e a cobiça intensificam-se em amplas esferas sociais. O incremento das comunicações resultante da rede telegráfica e telefônica que envolve o mundo alteraram completamente as condições do comércio. Tudo é pressa e agitação”. (Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna – vol. IX)
A situação está bastante complicada, visto que, presenciamos mais avanços, o advento do cyberspace (internet), a multiplicação das tecnologias médicas visando o domínio sobre as disfunções cerebrais, e a imensa difusão das drogas psicotrópicas que, em sua onipotência neurofarmacológica, compõem um ideário. Porém, assim como temos consciência que em determinados momentos, o discurso científico lança possibilidade sobre algumas zonas da realidade – com suas verdades fragmentárias e transitórias –, sabemos também que ainda sempre deixam outras tantas na obscuridade. O potencial ilusório inesgotável contido nas razões científica e tecnológica, expresso nas promessas de controle e de soluções rápidas e eficientes para a dor humana, (as pílulas, como formulas mágicas que paralisam os circuitos da dor psíquica, num propósito de liquidar as tristezas da alma, acabar com a nossa angustia), interferindo no humano, ao contrário, nos transporta a conexões inquietantes muito frágeis entre a lógica do consumo e o universo das adicções, (adicção à imagem televisiva, ao cyberspace, a exercícios físicos, ao sexo, à ingestão de álcool, sedativos, psicofármacos, bem como a adicção às drogas potencialmente pesadas que acenam sempre como uma possibilidade de gozo incessante).
O consumo de substancias que inebriam e possibilitam prazeres faz parte do cotidiano de muitas pessoas e da própria história da humanidade. Em escalas cada vez maiores os sujeitos buscam excitação na ingestão de alimentos, infusões, poções milagrosas ou mesmo em produtos químicos adaptando seus efeitos ao nível de aceitação pela sociedade. Seja na cafeína, no guaraná nas drogas lícitas ou ilícitas, tornando complicada a demarcação dos limites de resistência ou tolerância. Há infinita sucessão de idéias e alternativas propostas por especialistas, cujos argumentos permeiam entre a legalidade, a conveniência médica e até a simples opção dos usuários. Porém, a relação dos sujeitos com essas buscas prazerosas, tem assumido demasiadamente, um caráter de compulsividade – adicção – o que torna relevante uma reflexão mais depurada das psicopatologias adictas.
Para isso, iniciaremos com Freud (1893-1895), nos apresentando a compulsão – Zwang – termo em alemão, estando ligada diretamente à neurose obsessiva – Zwangneurose. Ele aponta que o que chama atenção de qualquer observador da histeria é que pacientes histéricos estão sujeitos a compulsão, sendo ela ininteligível e incapaz de ser resolvida pela forma do pensamento, tendo um caráter insistente e de necessidade. Na neurose obsessiva, a compulsão não significa obsessão, diz respeito a uma característica de determinados sintomas obsessivos, pensamentos ou atos que o sujeito realiza sem se dar conta, movidos por uma força irresistível, resultante de um conflito psíquico e de uma batalha subjetiva entre impulsos oponentes, estando o sujeito impossibilitado de escolher qualquer um deles, impondo ao sujeito um ato compulsivo, onde a tensão fica intolerável sendo percebida sob a forma de uma ansiedade extrema. A observação de atos obsessivos e repetitivos abre caminho para o termo: neurose compulsiva. Portanto, Freud já estava atento ao campo da compulsão e nos adianta que a persistência da compulsão é patológica. No seu texto sobre “Psicopatologia da histeria: A compulsão histérica”, ele detecta que para cada compulsão existe um recalque correspondente, e para cada intrusão excessiva na consciência existe uma amnésia correspondente.
Sob o ponto de vista linguístico a palavra Zwang compulsão em alemão, traduzida nas obras completas freudianas como contrainte, evoca “a imagem de um sujeito sendo obrigado, contra a sua vontade, a agir ou pensar de determinada forma”. Possui, além de outros significados na linguagem cotidiana, o sentido particular de “coação irresistível provocada por algo que força para certa ação, ato de compelir, de forçar, de obrigar”. (Hanns, 1996). A compulsão em Freud alude também a algo mais radical no campo das pulsões – uma irreprimível repetição. Falar de compulsão não significa, portanto, que seja um elemento novo na psicanálise, apenas era tratada como um fenômeno praticamente pontual diante do funcionamento psíquico. O novo é a forma abrangente que cerca alguns patamares subjetivos, marcando uma forma bastante diversificada da histeria, para a qual o dispositivo psicanalítico se enquadrava. Pensar as psicopatologias das adicções contemporâneas nos remete a algo que as move – a repetição pulsional – os mecanismos que envolvem a compulsão à repetição estão diretamente ligados aos mecanismos das adicções. 
            Os primeiros estudos dedicados as adicções, escritos nas primeiras décadas do século XX, tiveram como premissa principal a teoria freudiana das pulsões. Como o caso dos trabalhos de Karl Abraham (1908; 1916), Ernst Simmel (1930), Edward Glover (1932), Sandor Radó (1926; 1933) e Robert P. Knight (1937; 1937b). A relação dos sujeitos com as adicções não se enquadra em nenhuma perspectiva linear, podendo abranger várias ordens. Para tentar entender o contexto das adicções e o desamparo humano de maneira ampla, me reporto à teoria freudiana, contida no texto “Projeto para uma psicologia científica” (1895), onde Freud expõe que o humano mediante seu desamparo inicial, com a vivência primeira de insatisfação/satisfação teria como conseqüência psíquica o surgimento dos estados de desejo, que a princípio conduziriam à alucinação e a uma descarga motora, com isso a vivência da dor teria como conseqüência o surgimento do afeto e estados de angústia.
 “O organismo humano é, a princípio, incapaz de promover essa ação específica. Ela se efetua por ajuda alheia, quando a atenção de uma pessoa experiente é voltada para um estado infantil por descarga através da via de alteração interna. Essa via de descarga adquire, assim, a importantíssima função secundária da comunicação, e o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais”. (Projeto para uma psicologia científica (1950[1895])-[Parte I]-Esquema Geral-[11] A experiência de satisfação – Vol. I)
Esse tipo de funcionamento no qual toda a excitação segue automaticamente pela via mais bem facilitada é o que ele chama no “Projeto” de processo primário. Freud aponta o desamparo inicial como fonte primeira de todos os motivos morais, (entende-se como caráter de apelo, devendo-se à inscrição e, portanto, à identificação com o próprio estado de desamparo de origem e, conseqüentemente, à ajuda prestada, naquele momento, pela via do adulto/outro). O processo secundário então surgiria a partir da inibição e do direcionamento do processo primário pelo eu, imprescindível no processo da comunicação, laço social, configurando a demanda da presença do outro. Esse outro desconhecido para o bebê viria significar e nomear sua dor (de angustia e desamparo) estando ela relacionada ao mundo externo. De acordo com a teoria freudiana, esse primeiro contato produz uma marca psíquica, e através desse cuidado proveniente do outro/cuidador, institui-se aí uma inscrição de prazer, um primeiro traço de memória, configurando uma primeira experiência de satisfação. Assim, quando a angustia do desamparo (insatisfação) sobreviesse novamente, o modo de apaziguá-la seria reeditar a memória dessa primeira insatisfação/satisfação – o bebê alucina a percepção primeira. Portanto, com as repetições das alucinações primárias de desejo e a conseqüente frustração e desamparo, o eu aprenderia a não mais ocupar tão intensamente a representação do objeto de desejo e as representações de movimento a ela associadas, (a não execução de uma ação ineficaz, por exemplo: a sucção do nada, paradigmática da fome do recém-nascido). Podemos constatar com isso que o importante para Freud não era o bebê em si, mas o seu olhar observador – processo de observação do ser humano, um olhar para.
A partir dessa experiência do eu, Freud postulou um modo de funcionamento para o aparelho psíquico, tendo como base o princípio de prazer, proporcionando uma diminuição de tensão. Veremos esse pensamento no capítulo IV de “A interpretação dos sonhos” (1900), onde ele introduz a hipótese de um princípio do desprazer, depois rebatizado como princípio do prazer. Segundo ele, o sistema inconsciente seria regido exclusivamente pelo princípio do desprazer, enquanto que o pré-consciente seria regido pelo que ele depois chamaria de princípio de realidade. Essas hipóteses sobre a relação entre o sistema inconsciente e o princípio do desprazer, de um lado, e entre o pré-consciente e o princípio de realidade, do outro, são mantidas nos artigos metapsicológicos de 1915, onde ele relembra o caráter limítrofe entre o psiquismo e o somático, da pulsão, representante psíquico das excitações provenientes do corpo e que chegam ao psiquismo. Com isso, se dá a formulação de dois princípios, que irão reger a relação do sujeito com a realidade – o princípio do prazer e o princípio da realidade, que apesar de atuarem de maneiras diferentes, trazem a marca dessa busca de satisfação, aqui entendida como descarga de um excesso de tensão. O princípio do prazer então tende a reconduzir o organismo a mais baixa tensão, uma proteção orgânica contra a elevação da tensão e do desejo buscando a satisfação – a descarga, formando assim um ciclo que auto-regula o biológico e o prazer, busca orgânica da homeostase, apaziguando a demanda pulsional. Porém, Freud também observa que as percepções enquanto imagens recordadas, no caso das primeiras repetições despertam tanto afeto como também conduzem ao desprazer, devido à ocupação de representações que pertenceram à vivência de dor, e explica que:
 “Se seguirmos as vicissitudes dessas percepções depois [de elas se terem transformado] em imagens mnêmicas, constataremos que suas primeiras repetições continuam a despertar afeto e também desprazer, até que, com o correr do tempo, percam essa capacidade. Simultaneamente, elas passam por outra mudança. A princípio, conservam o caráter das qualidades sensoriais; quando não são mais capazes de afeto, perdem também essas [qualidades sensoriais] e se assemelham progressivamente a outras imagens mnêmicas. Quando uma passagem de pensamento esbarra nesse tipo de imagem mnêmica ainda indomada, geram-se as indicações de qualidade correspondentes — muitas vezes de caráter sensorial — com uma sensação de desprazer e uma tendência à descarga cuja combinação caracteriza determinado afeto, interrompendo-se assim a passagem do pensamento”. (Projeto para uma psicologia científica (1950[1895])-[Parte III]-Tentativa de representar os processos normais – Vol. I)
Ele observa que as percepções podem encontrar-se entrelaçadas na memória, principalmente em face de sua primitiva coincidência temporal. A dor/desprazer proporciona uma sensação de existência, de que a vida não é uma ilusão, uma abstração – proporciona uma concretude de realidade. O eu do Projeto se constitui a imagem de uma rede complexa de inscrições de memória (recalcada) de vivências de satisfação e de dor. Diante disso podemos notar que Freud já postulava desde o Projeto a diferença entre o processo psíquico primário/não inibido, regulado pelo principio prazer/desprazer, e um processo psíquico secundário/inibido produzido pela ação crítica do eu orientado pelo principio de realidade.
Freud em “Recordar, repetir e elaborar” (1914), trata de articular a transferência e a resistência com a compulsão à repetição, demonstrando que aquilo que não pode ser recordado é repetido. Analisando a resistência ele articula que, a mesma provem do ego e não do inconsciente, visto que o oprimido não oferece resistência – constituindo uma luta por manifestar-se por meio da repetição. A repetição então seria incompatível ao principio de prazer, posto que a resistência aja a serviço deste princípio (evitando emergir do material reprimido aquilo que levaria ao desprazer). Portanto, o ego respondendo ao processo secundário impede a rememoração do material reprimido, só conseguindo saída na repetição. Uma repetição sem que o sujeito se de conta do que está acontecendo, uma atuação sem a percepção do repetido.
Em “O Estranho” (1919), já se dando conta na clínica da ocorrência do fenômeno da compulsão à repetição, de origem inconsciente, portanto de difícil controle, percebe que a compulsão leva o sujeito a se colocar repetitivamente em situações dolorosas, repetindo experiências antigas. Segundo Freud, algumas repetições transferenciais seriam facilmente conciliáveis com o princípio do prazer, a saber, aquelas cuja satisfação representa um prazer para o sistema inconsciente e, ao mesmo tempo, um desprazer para o pré-consciente; mas haveria outras que não podem ser compreendidas dessa forma. Ele então nos fornece um fato novo:
“Contudo, chegamos agora a um fato novo e digno de nota, a saber, que a compulsão à repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que desde então foram reprimidos.” (Além do principio de prazer, 1920- Pg. 26)
Desde o momento em que ele se depara com a fenomenologia clínica inconsciente, faz um retorno a sua teorização do trauma, fundamental na compreensão do funcionamento da subjetividade. Com a noção de trauma, Freud em muitos aspectos, retoma a vivência de dor do Projeto. O trauma resultaria da falha dos mecanismos destinados a proteger o aparelho de excitações muito intensas, com isso, sua tarefa mais urgente passaria a ser “dominar as quantidades de estímulo que irromperam, e de vinculá-las no sentido psíquico, a fim de que delas se possa então desvencilhar”. (Além do principio de prazer, 1920- Pg. 38). O trauma passa a ser pensado como a ruptura da proteção antiestímulo do aparelho psíquico, em um ponto clímax, onde uma excitação no seu ápice atravessaria essa proteção. Esse retorno a análise de fenômenos como a reação terapêutica negativa, os sonhos traumáticos, a compulsão à repetição, entre outros, o levaram a postular com a publicação de “Além do princípio de prazer” (1920), a existência de uma pulsão de morte funcionando no aparelho psíquico. Trazendo a destrutividade para o epicentro da metapsicologia, onde há tendências mais originárias que o princípio do prazer e dele independentes. Freud nos afirma que: “[...] existe realmente na mente uma compulsão à repetição que sobrepuja o principio do prazer [...]”. (Além do principio de prazer, 1920- Pg. 29)
O conceito de pulsão de morte, polêmico e radical, permite também compreender a compulsão à repetição dos sonhos traumáticos. A figura do trauma aparece re-significada como sendo de origem interna e pulsional e, a angústia traria consigo a função de fortalecer a barreira de proteção antiestímulo, como Freud mesmo diz: “A proteção contra os estímulos é, para os organismos vivos, uma função quase mais importante do que a recepção deles”. (Além do principio de prazer, 1920- Pg. 35). A partir de então, apresenta-se na teoria freudiana um outro modo de funcionamento psíquico, para além do princípio do prazer, assim como surgem os limites da representação a partir da força de uma pulsão que não se inscreve no aparelho psíquico. O princípio de prazer posto que, possuía o fator quantitativo como referência, começa a adquirir um estatuto qualitativo. Existe algo mais primitivo e independente do princípio de prazer, Freud analisando o sonho traumático e a brincadeira do jogo fort-da (brincadeira de seu neto de apenas um ano meio, com um carretel de madeira preso por um cordão, fazendo-o sumir e a aparecer num suposto brincar de fort – sumir – da – aparecer), envolvendo a ausência/presença da mãe, constata que o ser humano repete insistentemente situações que não causam prazer e sim desprazer – o sujeito repete inconscientemente o que lhe causa dor e sofrimento. Com isso a repetição passa a ocupar outro lugar, ou seja, pertence agora ao campo da força pulsional, uma com/pulsão à repetição. Freud esclarece que:
“Parece, então, que um instinto (lido como pulsão) é um impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas, impulso que a entidade viva foi obrigada a abandonar sob a pressão de forças perturbadoras externas, ou seja, é uma espécie de elasticidade orgânica, ou, para dizê-lo de outro modo, a expressão da inércia inerente à vida orgânica”.  (Além do principio de prazer, 1920- Pg. 47)
Sendo assim, o prazer como princípio magnânimo do psiquismo é, portanto derrotado. Eros e Thanatos – pulsões de vida e de morte – acompanham e regem o ser humano, sendo assim a compulsão à repetição que se apresentaria como uma busca da permissão de um domínio do excesso pulsional, agora, não é mais uma simples perturbação da economia libidinal – a integridade do sujeito passa a estar ameaçada. Anteriormente a Freud, a compulsão a repetição já se apresentava como um grande desafio ao campo de exploração do individuo, ao percurso da vida, expressa em Thanatos. As patologias narcísicas aliadas a uma das noções chaves dentro da problemática da compulsão a repetição, regida por um princípio situado além do eixo prazer/desprazer, (a pulsão de morte), tem sua implicação no âmbito do traumático. O ego é atacado internamente pelas excitações pulsionais tal qual é atacado pelo perigo externo. O trauma do nascimento é o desencadeador da angústia e desamparo primeiro, origem do recalque originário, fundante do psíquico, desse modo o traumático se estabelece no cerne da diversidade dos modos de subjetivação e, sendo assim, o traumático é constituinte dos sujeitos.
 Paradoxalmente o trauma – excesso pulsional – não é traumático em si, dependerá do processo das condições ofertadas na subjetivação do sujeito, (trocas sensoriais, afetivas – significação e nomeação/linguagem), em si quanto da rede social que o cerca.   Seu desfecho será definido numa complexa rede intersubjetiva em que estão implicados tanto os aspectos intra como interpsíquicos, portanto a rede social desempenha aí um papel vital. O primor freudiano de “Além do princípio do prazer” (1920), corresponde a uma revolução, um princípio além, mais primitivo/primário, do que um princípio de prazer que radicaliza a ligação com o princípio de realidade. A introdução da segunda tópica freudiana causou enorme impacto, sendo rejeitada por muitos de seus discípulos, que ao desestabilizar suas posições anteriores provocou varias questões. Entretanto foi a partir da observação da compulsão a repetição que Freud pensou em teorizar a pulsão de morte, ele então reconheceu o caráter demoníaco na compulsão a repetição, e com isso faz uma relação entre a tendência destrutiva e autodestrutiva que já havia identificado em seus estudos sobre o masoquismo.
Por outro lado, em 1933 ele sublinhou, nas “Novas conferências introdutórias sobre psicanálise”, de forma pontual que, a pulsão de morte se confronta permanentemente com Eros, as pulsões de vida, (reunião das pulsões sexuais e das pulsões outrora agregadas sob o rótulo de pulsões do eu), e reporta a teoria das pulsões como pertencente ao campo da nossa mitologia. Na conferência XXXII, Freud observa que:
“Há pessoas em cujas vidas se repetem indefinidamente as mesmas reações não-corrigidas, em prejuízo delas próprias, assim como há outras pessoas que parecem perseguidas por um destino implacável, embora uma investigação mais atenta nos mostre que tais pessoas, sem se aperceberem, causam a si mesmas esse destino. Em tais casos, atribuímos um caráter ‘demoníaco’ à compulsão à repetição”. (Conferencia XXXII) – Vol.XXII)
Ele explica que considerando a autodestrutividade como sendo uma expressão da pulsão de morte, esta não pode deixar de estar presente em todo processo vital, não afirmando com isso que a morte seria o único objetivo da vida, o fato é que existindo vida obviamente a morte se faz presente. Freud nos convida então a investigações futuras:
 “Ora, os instintos, nos quais acreditamos, dividem-se em dois grupos — os instintos eróticos, que buscam combinar cada vez mais substância viva em unidades cada vez maiores, e os instintos de morte, que se opõem a essa tendência e levam o que está vivo de volta a um estado inorgânico. Da ação concorrente e antagônica desses dois procedem os fenômenos da vida que chegam ao seu fim com a morte. [...] Reconhecemos dois instintos básicos, e atribuímos a cada um deles a sua própria finalidade. Como os dois se mesclam no processo de viver, como o instinto de morte é posto a serviço dos propósitos de Eros, especialmente sendo voltado para fora na forma de agressividade — estas são tarefas reservadas à investigação futura. (Conferencia XXXII) – Vol.XXII)
Freud deixou claro que um estudo mais profundo sobre as pulsões abririam novos caminhos, ele declara que de certa forma toda embriologia é um exemplo de compulsão a repetição, pois podem conter propriedades de regeneração vencendo até mesmo o princípio de prazer. No final dessa conferencia ele nos coloca frente ao problema da agressividade que torna difícil a convivência humana em sociedade, pois o papel social tenta restringir todo tipo de agressividade. A instituição do superego é quem faz o papel de controlar os impulsos agressivos perigosos e de forma potente, sendo assim o ego ao ser sacrificado perante as necessidades da sociedade se torna bastante descontente ao se encontrar submetido “[...] às tendências destrutivas da agressividade, que ele teria tido a satisfação de empregar contra os outros”. Ocorrendo assim o dilema do ‘comer’ ou ser ‘comido’ que domina o mundo orgânico animado. (Conferencia XXXII) – Vol.XXII)
Com tudo isso exposto, vimos que a pulsão é um processo dinâmico que implica uma pressão ou força – carga energética, em movimento – que faz tender o organismo para um alvo, este denominado objeto – designando um instinto, um mecanismo natural, um impulso existente tendo como base o próprio querer, que gera a necessidade, a ânsia e o desejo. A pulsão de morte inaugura o escape da pulsão do campo do representável, posto que a pulsão de morte seja por excelência, uma pulsão sem representação, ela está, portanto a serviço de uma função de desligamento, de imobilidade, de redução completa das tensões, tendendo a levar o ser vivo a um estado inanimado – busca pela morte. A pulsão de morte – Thanatos – segue a denominação dada por Freud de princípio de Nirvana, em que o aparelho psíquico procura manter o nível de excitação pulsional/prazer o mais baixo possível, não podendo chegar a zero, pois o aparelho psíquico é movido por excitação. Se as inquietações da vida estabilizam-se a ponto de chegar a zero, o indivíduo morre. Sendo assim, as patologias do narcisismo sustentam uma falha na capacidade de representação. O narcisismo e suas configurações estão no cerne da problemática psicopatológica da contemporaneidade.
Sendo a pulsão um dos conceitos da demarcação entre o psíquico e o somático, e observando a problemática do excesso pulsional, estando em contraponto com a fragilidade narcísica, essa relação de dependência do sujeito frente ao objeto, permite uma relação de caráter absoluto e radical. A precariedade de recursos egóicos corresponde à utilização de defesas arcaicas, maciçamente evocadas pelo sujeito. Nas adicções, o ego tenta responder ao excesso pulsional, buscando reverter, pela via do ato – ação – a sua situação de passividade. Este tipo de operação nos conduz a análise das noções de trauma e compulsão à repetição, levando-se em conta a dimensão paradoxal do modo de defesa aí utilizado. Trata-se da busca de uma passagem à atividade, mas que mantém o ego dominado pelo objeto – da adicção. Um quadro patológico pode ser observado, principalmente em sujeitos que, em virtude de excessos ou carências parentais, por não possuírem uma representação interna adequada da instância materna/paterna, com predominante esvaziamento de sua interioridade fantasmática, e com tendências a atuações, como conseqüência, buscam então compulsivamente no mundo externo um objeto capaz de promover substituição. O modo de relacionamento adicto pode assumir muitas expressões, como já foi dito, visto que o objeto da adicção pode se referir a uma forma de droga lícita (algo que é permitido, porém podendo atuar como potencialmente prejudicial), como: medicamentos de toda ordem, álcool, cigarro, comida, jogo, uma forma de relacionamento com uma determinada atividade, o cyberspace, um modo de relação com uma pessoa ou objeto, e também a uma forma de droga ilícita (drogas igualmente perigosas, vistas como potencialmente pesadas: maconha, cocaína, crack, êxtase etc.), portanto, as mais variadas configurações.
            A dimensão da compulsividade de busca do objeto é uma das principais características da adicção e tem aparecido de forma violenta, trata-se de uma relação na qual existe uma escravidão de um sujeito a um objeto, que possui um caráter imperativo, obrigatório, que domina a relação e compele o sujeito a buscar incessantemente o mesmo objeto.  Destaca-se, além do aspecto de sujeição ao objeto, outra importante característica no quadro da adicção, que concerne ao estado no qual o sujeito se encontra a deriva em seu pulsional excessivo que o submete e o apazigua. Portanto, na base do funcionamento psíquico da adicção também encontramos o traumático. A adicção é uma patologia marcada pela insistência do traumático ao qual o ego responde com a compulsão à repetição numa tentativa de ligar o excesso pulsional, mesmo que de forma arcaica. Para a compreensão deste movimento de repetição do mesmo na adicção fez-se necessário um retorno para com o estudo sobre o traumático e a compulsão à repetição. Todo esse retorno teórico vem então propiciar uma melhor compreensão dos quadros clínicos que apresentam um funcionamento psíquico regido por um princípio que vai além do eixo prazer/desprazer.
            Na lógica adicta, a certeza de continuidade da existência é colocada em risco. A postulação dessa nova teoria pulsional e do segundo modelo do aparelho psíquico, passando a se organizar em torno do eixo do narcisismo e da compulsão à repetição, a fragilidade narcísica e o fenômeno da compulsão à repetição revelam-se como elementos centrais. A noção de compulsão à repetição, em “Além do princípio de prazer” (1920), como já foi visto, diz respeito a uma exigência interna agindo diante de uma força violenta, força pulsional, que se impõe, demandando um trabalho psíquico. Ela surge justamente na tentativa de uma força psíquica poder dominar o excesso pulsional, sendo que qualquer excitação forte o suficiente para romper a barreira do escudo protetor se torna traumática. A compulsão à repetição traz em si tanto a negatividade quanto a positividade, quando Freud propõe o modelo da compulsão à repetição, sugere que nesta atividade haveria um trabalho psíquico de ligação, que não deixa de apresentar um caráter positivista. A sua característica principal não é uma suposta negatividade – retorno ao inorgânico – mas sim uma forma especial de trabalho psíquico diferente daquele usualmente conhecido. A experiência da repetição protege o contato com algo novo, com o angustiante, embora traga consigo uma sensação interposta pelo novo.
Podemos com tudo isso dito observar que Freud em “Além do princípio de prazer” (1920), distinguiu a psicanálise como sendo a arte de interpretar as resistências, e comprovamos também que um analisando precisa repetir o recalcado como uma experiência atual, em vez de recordá-lo (como um simples mecanismo de reprodução). No mecanismo da repetição ele incluiu além dos fenômenos transferenciais, o brincar infantil, onde as crianças repetem situações traumáticas de maneira ativa, e também considerou a noção de ordem em “O mal-estar na civilização” (1930), instituindo limites dando um sentido a um conjunto de elementos chegando ao fato de que a repetição não tem relação alguma, portanto, com a reprodução. O mecanismo da repetição permite destruir as catexias (de acordo com a DeCS Server – biblioteca virtual em saúde – cujo significado indica: vinculação, consciente ou inconsciente, de um sentimento e significado emocional a uma idéia, a um objeto ou, mais comumente, a uma pessoa.), em que está capturado, logo, isso deve ser feito no presente. Freud nos diz nesse texto que devemos lembrar que tanto o inconsciente quanto o recalcado não nos oferece qualquer resistência as atividades mobilizadoras da cura.
Jacques-Alain Miller (depositário do direito moral sobre toda obra lacaniana) em seu livro “Percurso de Lacan – Uma introdução” (1987/2002) aponta que o inconsciente freudiano, enquanto tal que não resiste, sendo que a única coisa que pede é dizer-se, emergir-se, abrir caminho, tem a maior relevância para Lacan. As resistências segundo Freud na construção da segunda tópica, provem do eu e não do recalcado, posto que a liberação do recalcado provoque desprazer. Como podemos observar foi neste momento na obra freudiana que começa então a figurar o termo – compulsão a repetição – presente no inconsciente. Vale ressaltar que Freud não aborda a resistência somente lidando com a repetição ligada a transferência, ele a aborda de diversas formas: evoca a resistência do recalque, a resistência da transferência, a resistência do isso e a resistência do supereu, essa inclusive com sendo a mais enigmática enraizada no sentimento de culpa, no qual nos reportaremos mais adiante.
A compulsão à repetição como já vimos, é um indicador da presença do excesso pulsional, na medida em que a pulsão exige um trabalho psíquico, e a energia que não consegue vir a ser ligada está fadada à repetição até que seja possível uma ligação, conseqüentemente, na entrada do princípio do prazer. Uma com/pulsão à ação que substitui o recordar, quanto maior a atuação, maior a resistência e menor a recordação. A pulsão é uma força poderosa, exige a todo custo a satisfação, jamais renuncia o alvo da satisfação, configurando uma exigência radical. É uma força constante rumo à satisfação. Freud postulou a pulsão de morte, diante desse mecanismo que a pulsão, em última análise, faz o seu pedido. No entanto, satisfação impossível, pois o objeto que daria a satisfação à pulsão, o que ele chama de das Ding – a Coisa – não existe. É um objeto suposto por nosso psiquismo como objeto a ser atingido. Diante disso a compulsão a repetição e o enigma das pulsões vão permear a obra freudiana até o seu final contendo muitos questionamentos em aberto.
Jacques Lacan – o filósofo da psicanálise – fazendo suas releituras freudianas, quebrando a cabeça entre estas e muitas outras questões, na tentativa de cercar os questionamentos deixados por Freud, a partir da leitura dos trabalhos de Lévi-Strauss, se deparou então com a necessidade de construir uma nova tríade – o simbólico, o imaginário e o real – dando um nó no inconsciente freudiano. O simbólico remeteria à ordem do além, o imaginário à ordem do princípio de prazer e o real à ordem do impossível, posto que, a chamada realidade não se sustente como referência estruturante. Nesta ocasião fez-se visível para ele os vários momentos das perturbações sentidas por Freud. Discípulo fiel de Freud, porém como todo teórico criativo, ousou ir além dele, abrindo novas perspectivas para o saber psicanalítico, mesmo afirmando sempre fazer uma releitura fiel dos textos freudianos. Se todo sujeito determina-se por seu pertencimento a uma ordem simbólica, na categoria do simbólico, o inconsciente freudiano é repensado por ele, como cadeia de significantes. Desbravador das trilhas do inconsciente pensou o mesmo através de um tratado topológico, em estudos dos nós borromeanos, tentativa fundamental de apreender o real, o impossível, nó que aparece como escritura em R.S.I. – Real, Simbólico e Imaginário – , unindo o real, o simbólico e o imaginário. No qual abordaremos melhor mais pra frente.
O percurso do livro O Seminário livro 2 – “O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise” (1955), acontece sob o patamar de “Além do princípio de prazer”, marcando as relações do real com o imaginário e com o simbólico e, principalmente, que a passagem do imaginário ao simbólico se faz via real, tratando do impossível. O texto freudiano em questão como vimos, aborda a pulsão de morte, a compulsão a repetição, que Lacan nomeia de insistência da cadeia significante e conduz as articulações da repetição, como estrutura simbólica, na qual inscreve um ponto de resistência, algo que não cessa de não se inscrever, algo que repete que é de outra ordem, é do registro do real. Neste seminário ele associa a repetição ao inconsciente e observa que a repetição inconsciente não se trata da reprodução do idêntico, trata-se de uma repetição que gera movimento, movimento que leva à busca de um objeto. Por tal, irrecuperável. 
Lacan vai abordar o tema da repetição de diversas maneiras e em muitos momentos na sua obra, em um deles a questão do acaso é desenvolvida. No caráter desconcertante que os eventos repetidos possuem, o acaso parece ser para ele o que mais dá sentido a esse processo, normalmente atribuímos ao termo um conjunto de pequenas causas independentes entre si – casualidade, fato imprevisto - ou fatos que parecem escapar à lógica de nossa constituição psíquica. Ele relaciona essa idéia do acaso à pulsação temporal do inconsciente, relativo a hiância/fenda. Não como uma simples sucessividade aparente, essa referência diz respeito a algo da rede de significantes que não segue seu curso criando a hiância/fenda, sendo assim Lacan introduz o contato com o real constituindo a causa, nesse lugar surge o desejo subvertendo o sujeito. Segundo ele, só o real responde ao acaso, que pode ser definido como aquilo que recusa toda idéia de necessidade. O acaso não desobedece a nada, porque foge a qualquer lei, o que limita a lei é o real – o acaso. Na matemática euclidiana usada por Lacan, os números irracionais não têm razão entre si, são números que têm como função completar o conjunto dos números reais, são números que presentificam a hiância/fenda. Esse número indica uma falta, exercendo a função de uma fenda constitutiva, do real enquanto impossível, o que o inconsciente mostra é a fenda onde a neurose se amarra a um real, real que pode não estar determinado. (Lacan, 1964/1998).
Lacan ao comentar um dito muito conhecido do grande Napoleão: "A anatomia é o destino", citado por Freud nos textos: “Contribuições à psicologia do amor II” e “A dissolução do complexo de Édipo”, propõe que o destino significaria a relação do homem com a função do corte, denominando esta relação como desejo. (Lacan, 1962). Na diversidade na qual o homem se encontra inserido, duas dimensões são colocadas em cena – a da natureza e a do pensamento. Elucidando a função da causa, essa irá atuar como um mecanismo articulador entre o inconsciente e a repetição, podendo ser entendido nesse contexto como um propiciador do encontro da hiância/fenda com o real. Encontro esse da ordem do imprevisível, configurando um sujeito atropelado pelo significante, conferindo a priori uma atmosfera desconcertante, presentificando a falta do símbolo. Logo, a causa não pode ser alcançada, ela é pertencente ao contexto da metonímia – continente e conteúdo – sendo algo inapreensível. Do lado da causa, Lacan situa a lei do significante e, do lado de fora, o real, o acaso, o que é exterior ao campo da linguagem, a linguagem tem um lado individual e um lado social, ela é portanto multiforme e heteróclita (singular), o que não é possível recobrir completamente pelo significante – um real que não cessa de não se escrever. O sujeito, afetado pela insistência de atingir o impossível da completude, fica submetido a um estado de gozo. Esse gozo não precisa ser reduzido radicalmente a um excesso tóxico/adicto, mórbido, mas pode transformar-se numa condição de trabalho psíquico, de reativação da cadeia significante e construção de um saber. Para Lacan, a repetição é definida como algo que faz oposição ao saber, sendo ela da ordem da ação, ele inclui a repetição como um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, onde o inconsciente é estruturado como linguagem. A repetição apresenta sempre algo de inassimilável que se repete, porém, nunca da mesma maneira, “a repetição demanda o novo” (Lacan, 1964/1998:62).
Aristóteles (384-322 a.C) filósofo grego, segundo sua concepção, a causa do ser enquanto ser – consiste na busca da unidade original acerca de toda e qualquer coisa, enquanto universal. Em sua investigação sobre as causas, inclui a Tiquê e o Autômaton entre as causas acidentais. Para os gregos, a tiquê representava a divinização da fortuna ou, quando muito, do acaso, correspondendo, entre os Gregos, à deusa da Fortuna dos Romanos. Simbolizava o acaso, benfazejo ou malfazejo, a boa ou má sorte dos destinos humanos. Para Aristóteles, a tiquê está compreendida no autômaton, o acaso em geral, seja pela inteligência, seja pela natureza. Seguindo este raciocínio tiquê se refere ao mundo humano e autômaton ao mundo natural. Lacan tomando por base a noção de causa acidental, concebida da metafísica aristotélica divide a causa em duas formas denominadas: Tiquê (o acaso, fortuito, chance, casual – [tiquismo=causalidade]) = encontro com o real, e Autômaton (do grego: auto maten – o acaso da natureza) = rede de significantes sincrônica, que retornam comandados pelo princípio do prazer (retorno do recalcado – manifestações somáticas da angústia). Ele então desenvolve uma diferença entre Autômaton e Tiquê para falar da repetição (autômaton) – situada no registro do simbólico – ou seja, a repetição passível de uma interpretação obtendo um saber sobre o sujeito. A tiquê é então a repetição no registro do real, portanto uma repetição que vai além da insistência da cadeia significante, sendo definida como um encontro faltoso.  Segundo Lacan:
“O real está para além do autômaton, do retorno, da volta, da insistência dos signos aos quais nos vemos comandados pelo princípio de prazer. O real é que vige sempre por trás do autômaton, e do qual é evidente, em toda a pesquisa de Freud, que é do que ele cuida.” [...] “A função da tiquê, do real como encontro – o encontro enquanto que podendo faltar, enquanto que essencialmente é encontro faltoso – se apresenta primeiro, na historia da psicanálise, de uma forma que, só por si, já é suficiente para despertar nossa atenção – a do traumatismo”. (Lacan, 1964/1998:56-57).
A linguagem tomada em seu todo é o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não é sabido como inferir sua unidade. (Saussure, 2006:17). Lacan, com isso, aponta que há dois registros amalgamados, havendo duas vertentes da compulsão a repetição, uma que tem seu princípio na insistência da cadeia significante – tendência restitutiva – ordem simbólica, autômaton que revela-se como estrutura e, outra vertente propriamente repetitiva, tiquê em que algo resiste, ordem real. A compulsão a repetição em sua tendência restitutiva remete a Eros, e a repetitiva a Thanatos. Portanto, autômaton é pertencente a rede dos significantes que retornam comandados pelo princípio do prazer, retorno do próprio desejo, como efeito da articulação significante. A tiquê estando para além do jogo significante aponta para o encontro do real. O real, que está velado pela fantasia, vigorando por trás do autômaton que sempre nos escapa. A tiquê implica um encontro mediado pela falta – inapreensível, sendo assim, podemos dizer que está ligada ao funcionamento da pulsão de morte, não tendo representação, porém é importante destacar que a ela surge promovendo, no discurso do sujeito, o aparecimento de novas significações, através do retorno da cadeia significante produzida pelo autômaton. O real velado pela fantasia é o que se repete, e “O que se repete, com efeito, é sempre algo que se produz – a expressão nos diz bastante sua relação com a tiquê – como por acaso.” (Lacan, 1964/1998:56). A repetição caracterizando a pulsão, não se confunde com o retorno dos significantes como autômaton. A compulsão a repetição está diretamente ligada a pulsão de morte fixando os sujeitos em seus pontos cegos de gozo.
Freud faz menção ao acaso no texto "Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911), o principio do prazer e o processo primário (assim como o princípio de realidade e o de processo secundário) tinham sido tomados até então como correlativos. Na concepção freudiana – o destino é necessidade e a necessidade é da ordem primeira. Porém o predomínio do princípio de realidade neste texto como ele mesmo nos diz, está apenas começando. No texto “A dinâmica da transferência (1912), faz menção à repetição desde o começo e, em uma nota de rodapé, ao sustentar o fator da transferência como de fato sendo um dos componentes causais nas condições de relacionamento do sujeito com seus objetos, utiliza dois termos gregos de grande densidade: Daimon kai Tyché que ele considera mais pertinente relacionar os mesmos entre destino e acaso, no qual ele se refere à constituição ou a experiência, com respeito à personalidade. Na dinâmica da transferência se trata da idéia de um tratamento adequado à promoção da cura, expresso pela máxima freudiana de – tornar consciente o inconsciente. (Dáimon e Tyché) traduzido por ele como (Konstitution e Zufall), o constitucional e o acidental, o arbitrário respectivamente.
Dáimon significa gênio, demônio, espírito, não possui semelhança com o demônio cristão. Sócrates costumava ficar absorto longos períodos de tempo dizendo estar ouvindo seu dáimon. O termo felicidade – eudaimonia – significa estar em harmonia com seu dáimon, próximo a um sentido de ser, natureza, força interior, em vista disso Freud traduz Dáimon por “Konstitution” – constituição – e Tyché por Zufall – livre associação de idéias – livre Zufall, que significa desmoronamento, queda, derrocada, afundamento, ataque, crise, tocar à sorte, acaso, lance, acesso, ocorrência. Freud indica que os fatores causais são relacionados tanto nos fatores constitucionais quanto nos casuais. O ponto de ancoragem que possuímos para uma possível alteração são os fatores casuais, e subsistem para manter o sujeito manifesto a possibilidades de mudanças. Se tornando mais acessível pelo mecanismo da transferência embora, sendo ela pertencente também aos elementos constitutivos, na medida em que estiverem presentes na expectativa libidinal feita ao objeto. Porém, Freud se deparou, com impasses clínicos que o levaram a explicitar uma compulsão à repetição, “a algo que parece mais primitiva, mais elementar, e mais instintual/pulsional que o princípio do prazer que ela domina" (Freud, 1920, p.30). Nesta concepção a idéia de acaso como causa acidental não se sustenta, não se encontra mais ligada à causalidade strictu sensu. Consolidar o acaso designa a possibilidade de que tudo pode acontecer, de que nada é dado de antemão. Neste sentido, o acaso tem um pertencimento anterior (embora simultâneo) a toda necessidade que deixa de fazer parte da primeira ordem freudiana, o que o faz postular posteriormente como já vimos o texto “Alem do princípio do prazer” (1920). Lacan se deu conta dessas perturbações sentidas por Freud.
Para tentar elucidar por onde caminharam os pensamentos de Freud e Lacan, retornando à Grécia Antiga notaremos que o que é concebido como existente é o cidadão, e também observamos que os gregos dialogavam com seus dáimons, e diante desse diálogo era possível conceber uma eudaimonia/felicidade. No pensamento moderno, porém iremos presenciar a emergência do sujeito – sujeito do pensamento, da consciência – sendo destronado, pela perspectiva psicanalítica, com a postulação de um sujeito dividido. Contudo, mesmo estas diferenças se mostrando irredutíveis, pressupondo planos de pensabilidade singulares, podem apontar à existência de um remetimento a uma questão comum, (que perpassa estes momentos e tomam contornos dos mais variados), um determinado discurso sobre o tema que envolve a realidade. Discurso esse pertencente à atualidade dando de algum modo continuidade a este tema, contendo varias noções como: a totalidade aberta, o acaso, o caos, o devir, o prazer/felicidade que figurando no cenário do pensamento tornam a realidade algo problemático. A vida humana é permeada pela vivência da sexualidade, tão singular quanto uma impressão digital, construindo a história de cada um, expressando os percalços pelos quais passamos. Nossas vivências transferenciais produzem alterações nas condições da sexualidade. É esperado que o manejo transferencial conduza a uma elaboração das condições libidinais para com o objeto, condições estas que podem se tornar turbulentas o suficiente para fazer aparecer os sintomas. O Nome-do-Pai lacaniano cujo conceito afere a função simbólica uma lei – proibição do incesto – processo descrito através da metáfora paterna, e voltando ao duplo registro da repetição citado anteriormente – Autômaton e Tiquê – esse processo enquanto exemplo paradigmático da simbolização primeva do sujeito é também ilustrado pelo jogo do fort-da onde a criança simboliza a presença e ausência da mãe, tendo acesso ao simbólico, “É a repetição da saída da mãe como causa de uma Spaltung” – função do corte – “no sujeito, superada pelo jogo alternativo, fort-da [...]”. (Lacan, 1964/1998:63). Esse jogo do fort-da visto por Lacan é uma substituição significante, o carretel uma metáfora da mãe, essa atividade lúdica evidencia que a criança passou de uma posição passiva, para uma posição ativa. A criança faz uma inversão, é ela agora que abandona a mãe simbolicamente, tornando-se mestre da ausência legitimando a identificação, não pertencente mais do único e exclusivo objeto do desejo da mãe, o objeto que ocupa a falta do Outro, movimentando, então, seu desejo como desejo de sujeito, indo ao encontro a objetos substitutos daquele perdido, acessando o simbólico através da metáfora paterna, sustentada pelo recalque originário posto ser da ordem estruturante.  
O que é posto nessa primeira repetição significante se trata da simbolização de uma presença/ausência, fazendo da relação mãe/bebê mediada pela linguagem. Com isso, o sujeito então substitui a posição do ser para a dimensão do ter, implicando uma operação inaugural – a linguagem – esforço simbólico, onde o sujeito passa a renunciar o objeto fálico – significante fálico – significante do desejo da mãe, agora recalcado e substituído pelo Nome-do-Pai. Não é o regresso da mãe que está em jogo, mas sim a repetição da sua ausência fazendo com isso uma divisão no sujeito. Lacan afirma “que não há sujeito se não houver um significante que o funde”. Não se trata apenas de um exercício de uma alternância significante, pois há um objeto em jogo:
"Se é verdade que o significante é a primeira marca do sujeito, como não reconhecer aqui – só pelo fato desse jogo se acompanhar de uma das primeiras aparições a surgirem – que o objeto ao qual essa oposição se aplica em ato, o carretel, é ali que devemos designar o sujeito. A este objeto daremos ulteriormente seu nome de álgebra lacaniana – o a minúsculo”. (Lacan, 1964/1998:63).
Seguindo esta linha de raciocínio, Lacan aproxima o acaso desconcertante associado à repetição, e a noção de trauma, posto que golpeia o equilíbrio do sujeito. No trauma, é uma segunda cena que dá eficiência a uma primeira, conferindo-lhe o caráter traumático. A repetição deve ser pensada como uma insistência da cadeia significante, o significante seria o único suporte possível do que é, para o sujeito, a experiência de repetição. Lacan refere-se ainda a uma repetição do campo do fracasso – fracasso do recalque – um significante que nos debilita com um refinamento avassalador – mais forte do que o recalque, propiciando sempre uma repetição distinta, diferenciada, fazendo com que algo se perca no processo. Colocando-nos à constante busca ao objeto primordial do desejo, sendo assim a repetição viria representar o fracasso da tentativa de reencontrar o objeto perdido, manifestando uma espécie de apego do sujeito a certos significantes (Lacan, 1988a), uma tendência a utilizar sempre um mesmo percurso insurgindo-se na rede simbólica – algo relacional único e diretamente ligado ao sujeito – do qual o representante do recalque originário tentará escapar constantemente produzindo derivados e novas conexões. Os significantes que conseguem uma ruptura com a grande represa do recalque acabam escolhendo as mesmas vias para seguir adiante, criando o que se pode chamar de hábito.
A idéia de repetição para ele, portanto, é algo capaz de estabelecer uma ordem – impondo limite – conferindo assim um sentido, empreendendo um conjunto de elementos, que ele denomina de cadeia significante. A repetição é vista como uma reprodução distintiva, a possibilidade de equacionar (utilizando matemas, cuja construção funda-se em princípios matemáticos, possibilita que uma série de elementos significantes estabeleça um sentido), a partir das revelações do inconsciente, o um, o traço unário, o ato inaugural. Esse ato inaugural pode traduzir-se em um sintoma, representando um traumatismo, gerando recalque. O que recalca, falta, o que falta pede ou exige uma repetição distintiva, na tentativa de suplência. As vias com as quais o sujeito habituou-se a funcionar devem ser transcendidas, pois elas estão destinadas ao fracasso do ponto de vista produtivo da vida mental do paciente, que parece andar em círculos. Lacan aponta que “a essência do significante é a diferença”, cada significante tem um lugar próprio e único. A compulsão à repetição se estrutura em torno da perda, na medida em que o que se repete não coincide com o que se repete e, “a transferência pode nos conduzir ao núcleo da repetição. [...] o real é, no sujeito, o maior cúmplice da pulsão [...].” (Lacan, 1964/1998:71).
O fenômeno da repetição tem características muito ambíguas e são admitidas em muitos momentos na literatura psicanalítica. Encontramos, por exemplo, a repetição sendo mostrada como uma imagem do recalcado e, simultaneamente, como a defesa contra o mesmo em “Atos Obsessivos e Práticas Religiosas” (Freud, 1907), podemos também observá-lo como uma nova tentativa para obtenção de êxito e, ao mesmo tempo, como um retorno a uma posição confortável após o fracasso. (Lacan, 1985, p.88). Entretanto, enquanto não ocorrer uma superação, uma elaboração simbólica destes significantes que, como vimos atropelam o sujeito, a repetição emerge, podendo traduzir-se num sintoma. Os sintomas se repetem, repetem numa busca incessante pelo objeto perdido. Os sintomas das adicções expressam um apelo, que através de sua persistência resgata o caráter reconstitutivo do próprio sujeito.
Segundo Freud (1920), o prazer no aparelho psíquico pode ser dissociado no inconsciente e no consciente, com isso, ele sentiu a necessidade de admitir a pulsão de morte, quando concluiu que a repetição pode utilizar material do passado que não inclui possibilidade alguma de prazer. Na repetição há sempre um envolvimento, posto que, o sujeito entrega-se a ela e só pode se desvencilhar mediante um processo doloroso. A pulsão de morte – Thanatos – leva o sujeito à prática de um gozo destrutivo, há um pacto entre o supereu e a pulsão de morte, um transbordar numa forma cruel de imposição superegóica. Ao contrario do funcionamento como barreira protetora a um gozo mortífero, o supereu o intimaria – o sujeito se situa como objeto de gozo a serviço de uma lei cruel. Portanto, o supereu é o grande personagem dos funcionamentos adictos, sendo assim, os atos adictos são uma tentativa de barreira ao cumprimento da imposição cruel, mesmo que essa tentativa fracasse, um subjetivar-se que não se efetiva como afirmação de desejo, estabelecendo uma relação com seu sintoma, cujo sintoma fala, representando o sujeito e revelando algo sobre o seu desejo.
O sintoma em questão, não se fabrica a partir de uma operação de recalcamento - não consistem num retorno ao recalcado – ele se forma por uma via mais curta, no qual existe uma satisfação pulsional, com intenso poder destrutivo, a falta é da ordem da barreira protetora que articula as relações entre a subjetividade e o real, há uma ausência da fantasia e seus provenientes, no qual as crenças, os projetos, as ilusões, faltam. Esses sujeitos apresentam uma fenda impetuosa na dimensão do imaginário. O corpo se torna reduzido a uma matéria por meio do qual a transportam, criando-se com isso uma necessidade substitutiva de sustentação egóica, a ausência da fantasia os petrifica. Diante de tal funcionamento uma rede fantasmática precisaria ser construída. Essa ausência no campo imaginário se articula à relação especial que esses indivíduos estabelecem com a lei, que não pôde ser subjetivamente construída, ela é imposta sem receber o revestimento imaginário que iria tornar possível o fornecimento de um sentido particular. Não conseguindo uma subjetivação da lei, o indivíduo fica a mercê de toda a sua ação ou procedimento arbitrário – aquilo que a lei proíbe é vetado em si mesmo, de maneira impetuosa e inexplicável – um infortúnio/destino inexorável, tornando sem possibilidade qualquer ilusão de amparo ou garantia.
Se pensarmos na forma clássica da interpretação, essa não atua simplesmente para a desconstrução do imaginário, ela também é exercida sob a forma de corte, do qual a lógica é a da lei da castração, porém, esta não pôde ser subjetivada por esses sujeitos, as interpretações, nesse caso, vão exercer um papel de ordem persecutória, encorajando o mandamento superegóico, no recalcamento os objetos adictos comumente entram a serviço da liberação superegóica e do engrandecimento narcísico, sendo, portanto, um meio para outros fins. A especificidade da psicopatologia adicta com um objeto estando associada a uma pendência no processo de subjetivação primária em que, de alguma maneira, não teriam sido realizados os aspectos da passagem dos traços mnêmicos de gozo aos traços mnêmicos de significante, deixando aberta uma fragilidade passível de se manifestar na experiência concreta do sujeito uma evocação a presença real de gozo.
Seguindo no Seminário livro 2, Lacan pontua quase que de forma esgotante, a indicação do narcisismo como testemunha à relação particular entre imaginário e real – o vazio ilustrado com a imagem real, inacessível ao sujeito, lógica fundamental à constituição do sujeito dividido. Lacan fala da gestalt, a imagem unificada enquanto estruturante, porém, na inscrição simbólica, está implicado um acesso, convocando o real, onde o simbólico não se inscreve progressivamente, exigindo uma passagem, impondo o domínio do real. Ele marca, no neste seminário, o sujeito da certeza que é a base antecedente lógica ao sujeito do inconsciente, portanto, as implicações do sujeito dividido com o real. Ao referir-se ao fracasso fala da aprendizagem enquanto privilégio das tarefas inacabadas, à função do desejo de a elas retornar, marcando a fenda, referindo-se a falta enquanto imperativos da repetição. De maneira estrutural, a repetição é um ato que se faz à virtude de um reencontro faltoso – a repetição repete o fracasso.
Nesse mesmo seminário, retoma a questão do real enquanto articulação indispensável à inserção, à inscrição do simbólico, via Carta Roubada”, onde vai dizer que “nada ocorre sem causa, mas trata-se de uma causa sem intenção”. Em “A Carta Roubada“, com as probabilidades e as regularidades, e suas correlações com a teoria dos gráficos e das redes, Lacan escreve que o acaso sem intenção obedece a leis e, diz que “permite demonstrar como as determinações articulam-se a uma sucessão de lances que se repartem estritamente ao acaso”. O binário constituído, referindo-se ao fato de que qualquer coisa pode inscrever-se em termos de zero e de um – vinculação direta à cibernética – na qual ele chama de ciência dos lugares vazios, uma metáfora do simbólico, que, para se tornar um funcionamento autônomo precisa tomar algo no real, uma sucessão de quatro termos que estrutura-se segundo leis precisas, onde o simbólico toma o real e uma insistência repetitiva se instaura, marcando toda uma convergência em direção ao símbolo binário. Ele faz uma articulação, em duas passagens, o percurso lógico da constituição do sujeito, do um ao um, e do especular ao traço unário, passando pelos zeros. A gênese do um ao zero, zero enquanto fenda deixada pelo objeto, lugar sem consistência, em que o zero faz visível a falta, porém, lugar onde o sujeito será reconhecido, zero como símbolo do sujeito, zero enquanto condição e possibilidade à passagem do zero ao um, ao zero que se conta como um. A repetição está inserida nessas duas operações essenciais, a repetição que funda a série dos números sustentando-se no zero da falta, o sujeito emergido e debilitado nesta tensão sempre repetida, efeito do significante sempre enfraquecido e tentando adquirir novo impulso, essa oscilação do zero fazendo ligação ao um que repete a diferença real que não cede, que resiste.
No Seminário livro 17 “O avesso da psicanálise” Lacan, fala da entropia do gozo e do objeto a – mais-gozar, onde este objeto pode ser qualquer coisa, ele considera que o gozo é primário e que a linguagem é um recurso para fazer o corpo gozar. O gozo é anterior à linguagem, é um gozo do corpo, denominado por ele de gozo “Um”. É um gozo que se fecha em si mesmo, que está inicialmente fora da cadeia significante, que não fala para o Outro. Segundo ele, o mais-gozar toma corpo a partir de uma perda e que o gozo do mais-gozar, é o corporizar da perda, tal gozo é fortemente marcado com as características do gozo do Outro/do corpo, em que o sujeito evita a intermediação da linguagem, e só lhe interessa gozar, provocando com isso um curto-circuito do simbólico.
No Seminário livro 20 “Mais, ainda”, nas palavras de Lacan “O real, eu diria, é o mistério do corpo falante, é o mistério do inconsciente” (Lacan, 1985: 178). Portanto, como já foi dito, o sujeito é constituído pelo simbólico, e por uma falta de recursos fantasmáticos para revelar o ser, configurando uma falha no significante, há um desamparo constituinte, logo, neste processo ocorre à insuficiência do simbólico para recobrir o real. O sujeito tenta, através do imaginário, mascarar o nada/fenda ou inventar algo para alcançar o inacessível. Ligando o real, temos o conceito lacaniano de gozo que, é designado como o excedente de pulsão não articulada à cadeia significante, e, o conceito de objeto a como objeto fundamentalmente perdido, fragmentos corporais fora da significação. Lacan teoriza que o único objeto da pulsão corresponde ao objeto a.
Para entender melhor o objeto a na construção teórica lacaniana, esse objeto ganha várias conceituações, num primeiro momento é referido como pequeno outro, o semelhante – construção da imagem narcísica que se dá num primeiro momento, por identificação ao outro semelhante – estádio do espelho, logo em seguida ele é conceituado como objeto a – objeto perdido. No Seminário livro 7 “A ética da psicanálise” (1988/1959-60), Lacan ao retomar Freud essencialmente do “Projeto” (1895) e do texto “A Negativa” (1925), ao observar o termo alemão das Ding – a coisa – marca da eterna tentativa humana de reencontrar o objeto perdido, e com a teorização construída por Winnicott (1978/51) [Donald Woods Winnicott – (1896/1971) – pediatra e psicanalista inglês], do objeto transicional – objeto qualquer – seja a fraldinha, travesseirinho, bichinho de pelúcia etc., pelo qual a criança manifesta um vinculo incondicional, Lacan reconhece aí o espaço ilusório  que este objeto gera, nem interior nem exterior ao sujeito, esse objeto transicional winnicottiano passa a ser para ele, um verdadeiro emblema de objeto a. No Seminário livro 10 “A angústia” (1962-63), ele teoriza que a coisa é uma das facetas do objeto a, perdido mesmo antes de existir, que mais adiante irá tornar-se fonte de angustia e causa do desejo. No artigo de 1960 “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: Psicanálise e estrutura da personalidade” (Escritos - [1998/1960b]), marca o ponto onde ele introduz a expressão objeto a, o designando o objeto do desejo, no mesmo ano em “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” (Escritos - 1998/1960a), teorizará seu caráter de não representação, passando então a designar objeto a causa do desejo, causa da divisão do sujeito, da mesma maneira como é observado na escrita do fantasma/fantasia fundamental. No Seminário livro 8 “A transferência” (1992a/1960-1961), nesta sequência de idéias, ele começa a situar a diferença entre o objeto da fantasia fundamental e o objeto metonímico. No Seminário livro 17 “O avesso da psicanálise” (1992b/1969-70), o objeto a vai surgir sob o nome de mais-gozar filos/analogia, cuja função aponta a de mais valia de Karl Marx, que demonstra que o trabalho é comprado pelo capitalista pelo preço de mercado, produzindo um resto, uma parte suplementar jamais paga. A produção de tal quantidade suplementar que não é paga ao trabalhador é chamada por Marx de mais-valia. Para Lacan, a mais-valia é a causa do desejo, pelo qual uma economia faz o seu princípio, traduzindo uma produção excessiva que, por um lado aumenta os meios desta produção como capital e, por outro, amplia o consumo, sem o qual essa produção seria inútil, justamente por seu disparate em proporcionar um gozo podendo tornar-se mais lenta. O respeito que Lacan presta a Marx deve-se à invenção do sintoma e o objeto a – mais-gozar, um dos quatro procedimentos onde ele formaliza os quatro discursos que, estruturam os vários modelos de laço social entre os humanos. Já no Seminário livro 22 “R.S.I.” (1974), o objeto a vai se apresentar como ponto de intersecção – inapreensível – no nó que amarra borromeanamente a estrutura dos três registros da subjetividade – real, simbólico e imaginário – contendo aparências diversas imaginárias construídas por cada sujeito por intermédio dos significantes do Outro, sendo contribuintes das inserções históricas original de cada um, sua dimensão mais importante é seu estatuto de real, não pertencendo, portanto, ao registro simbólico. Mesmo entrelaçado entre as três estruturas, o seu pertencimento ao real é o que prevalece – o objeto a, essa letra enquanto se separa do significante pertence ao simbólico, enquanto tal está no real e permite o recalque, logo, corresponde ao representante da representação. Na tentativa a repetição, ao prazer, que originariamente teria proporcionado, possibilita agora o encontro a algo sempre novo – estranho – há sempre um modo de vida novo, uma nova forma de gozar, um “sintoma”.
Como podemos perceber, o ser humano nasce em um estado absoluto de desamparo e em uma relação de total dependência com o Outro. O processo de constituição do sujeito implica um corte/desligamento e uma decepção relativamente à possibilidade de realizar a completude. A cada tentativa de separação algo se desprende desse corpo mítico, processo divisor, identificador de um mecanismo da formação do eu. O estádio do espelho instaura uma relação dual que funciona como matriz, uma identificação imaginária, que se constrói na alienação e na relação do infans com o Outro primordial, por conseguinte, com a mãe atuante no espaço especular, promove a organização do corpo do infans e estrutura o eu. Em função de uma separação, o seio torna-se objeto perdido que causa o desejo. Lacan aponta outros objetos como produtos de cortes, como pedaços, restos de corpo sem significação – fezes, olhar e voz. Apesar de estarem ligados ao corpo são destacáveis, se desligam da rede significante, expressando uma falta, recebendo a nomeação por Lacan de objeto a, porém não fazem parte da sua constituição do mesmo são apenas representações. O corte provoca a divisão do sujeito, indo de encontro ao objeto a, se deparando com a falta-a-ser, o irredutível, o pedaço perdido, objeto causa de desejo e causa da angústia. Quando Lacan define o objeto a como perda, cujo conceito foi construído por ele a partir do objeto perdido da teoria freudiana, situado na origem do desejo, objeto da experiência original e mítica de satisfação, teorizada por Freud, no “Projeto para uma psicologia científica” (1895/1950) e, em “A interpretação dos sonhos(1900-1901), capítulo VII, volume V. O objeto a é um objeto de um gozar consequentemente, uma ausência que irá corresponder a um “mais-gozar” como resto do gozo interditado. O objeto a é conceituado, portanto, como o resíduo do impossível a ser articulado na cadeia de significantes, como algo resultante de uma perda, ou seja, no processo de constituição do sujeito, como efeito da articulação significante, se apresentando como resto e se desligando como perda, estando no lugar de uma falha/falta, um vazio, somente o necessário para que o anel se feche. O objeto a não é uma substância, e sim um vazio, podendo ser representado, encarnado, por substâncias e por objetos. Quando materializado, porém, ele não passa de semblante em relação ao que é o objeto a propriamente dito. O sujeito ao tentar reencontrar o objeto da satisfação, o que se repete é uma perda. A repetição tem por objetivo o gozo, e esse é percebido como perdido. O objeto perdido que se encontra na origem do desejo funciona como causa da atividade do aparelho psíquico. É a partir do registro do simbólico que é possível contornar o objeto, ou seja, é através da linguagem que é produzida uma queda do sentido, que sinaliza o objeto impossível de dizer.
Esclarecemos, portanto, que a operação do significante deixa então um resto não integrado, chamado por Lacan de real. Quando demonstrado sob a forma de uma letra (a), esse resto da operação de inserção do sujeito na cadeia significante, ele confirma a impossibilidade desse resto ser todo apreendido no significante. O objeto a não tem outro status lógico que o do impossível de dizer. Enfim, aprendemos com Lacan que um significante representa um sujeito para outro significante, e que fora da cadeia há um aquém da linguagem – o real que resiste à representação. Na medida em que é um resto, o objeto a é o insignificantizável de gozo que resta, causando o desejo e confirmando a divisão do sujeito. Esse objeto, ainda que irrepresentável, é uma mostra da ordem do Outro, do qual o sujeito só pode ter em nível de experiência o objeto, um excedente de gozo que marca seu corpo, causando seu desejo, que não cessa de não se escrever. A experiência da falta-a-ser é, de certa forma organizada tanto pelo significante quanto pelo que lhe escapa sendo configurado como o irrepresentável pelo significante, o objeto a rompe o tecido da representação e se presentifica na causação do desejo e, inscrito no real, faz esse real vir à tona em manifestações obscurecidas, surgindo pensamentos ou atos desconhecidos. O real é sempre velado, e o que de alguma maneira o mostra vem numa dimensão de medo, provocando com isso uma resistência ao saber. Assim como o saber se constitui de maneira hiante, o sujeito também advém de uma falta – inexprimível – frente ao desamparo, o sujeito como resposta ao real, e não apenas como uma representação entre dois significantes se constitui, portanto, ao redor de um vazio, buscando uma forma de sustentação na rede de significantes. O uso da linguagem é uma tentativa de fazer frente ao perigo da pulsão e do vazio, contudo, não resguarda o ser falante do perigo do que restou sem representações, sem palavras.
O objeto a, portanto neste contexto é uma falta prímeva que produz uma incessante recuperação de gozo, pois a defasagem não é reabsorvida. O sujeito é o responsável do seu próprio desejo, e a renúncia pulsional, necessária ao estabelecimento do discurso favorece o supereu. A voracidade da instância do supereu é estrutural, não está contida na ordem de uma consequência civilizatória. Um mesmo mecanismo econômico é relacional ao capitalismo e a pulsão, cujo emblema se caracteriza pela perda e retorno de gozo sintomático. Na teorização da compulsão à repetição e a pulsão de morte em 1920, como já vimos, Freud admitiu e enfatizou a inexorabilidade da repetição mediante os caminhos que levam para o sofrimento, repetição que chegou a qualificar de demoníaca. Todavia, a questão da constituição e atuação dessa força que remete o homem para o sofrimento, vai permear todo tema das suas formulações posteriores, posto que, ter apenas postulado sob uma força biológica que caminha para a extinção da vida não lhe tenha concedido condições de dar conta dos fenômenos clínicos. O papel das identificações na constituição do sujeito humano, em especial a mais arcaica e básica delas que dá origem ao supereu, é circunstancialmente fundamental para a operação de uma repetição no destino da dor como a pertencente do humano. O desamparo ao nascer, como observou Freud, o bebê dependerá dos cuidados recebidos do Outro, enquanto lhe concede esses cuidados. É nesse processo de acolhimento que se instala o supereu, fundante a partir das impressões dessa época, sobretudo a linguagem (FREUD, 1923/1975, p.52-53 O EGO e o ID). A formação do supereu resulta como um trauma estrutural, representando um resíduo das primeiríssimas identificações, constituindo, o próprio núcleo do eu. A identificação com o adulto dá origem ao supereu sendo essencialmente a identificação com seu desejo em relação ao infante. Lacan interpreta o masoquismo fundamental como tributário da dependência ao Outro, da eficácia da incidência do significante sobre o infante, e toma o supereu como resto de um trauma constituinte do humano, chamado por ele de trauma do nascimento que, distante de ser separação da mãe, é a entrada na linguagem. Lacan inclui a compulsão à repetição como a única forma possível de acesso ao traumático. Destacando que: “Com efeito, o trauma é concebido como devendo ser tamponado pela homeostase subjetivante que orienta todo funcionamento definido pelo princípio do prazer [...]”. A repetição está na base de toda a pulsão apoiando-se nos resíduos das primeiras experiências da infância. Para Lacan “[...] a vida é fundamentalmente uma repetição, que temos a ilusão do novo, mas de fato, a vida é constituída pela repetição”. (Percurso de Lacan, Pg. 67).
Os traços representam a constituição das pulsões, que comandam a repetição. Os traços mnêmicos da infância são o fundamento topográfico de pura ficção teórica, e sua atuação só pode ser pensada correlativamente ao recalque originário. É da ordem do irrecuperável mediante o mecanismo da rememoração, ainda que perdido, uma experiência infantil incompreendida que, mais tarde “irromperá em sua vida com impulsos obsessivos, governará suas ações, decidirá de suas antipatias e simpatias e, muitas vezes, determinará sua escolha de objeto amoroso, para a qual é tão frequentemente impossível achar uma base racional” (FREUD, 1939/1975, p.126). A compulsão à repetição, portanto, migrará da cadeia significante para o gozo, cuja produção é dependente do significante, porém, sendo indomável pelo simbólico, voltando como real, sempre ao mesmo lugar. Logo, o corpo está envolvido no gozo, mas o papel do significante na sua produção, ao invés do recurso à biologia, é justificado pela idéia da identificação ao supereu e as suas injunções. Na contemporaneidade há um esvaziamento dos sujeitos numa busca de gozo, Lacan os definiu como seres falantes, em lugar de sujeitos divididos, o Outro como sistema de valores que alimentava o supereu freudiano fez com que, o imperativo das interdições se transformasse, no contemporâneo, em imperativo de gozo. Este novo supereu agora ordena: goza! O agir compulsivo/adicto, não implica em um real traumático a ser simbolizado, menos ainda em um conteúdo recalcado passível de emergir por meio da interpretação. Os atos adictos contidos das formas mais diversas estão apenas a serviço do preenchimento de uma sensação de vazio, da busca de gozo, o agir adicto é, portanto de ordem metonímica, deslizando permanentemente na cadeia significante e banalizando seus objetos, presentificando visivelmente à precariedade da constituição subjetiva, a sua falta fantasmagórica e sua eterna busca de gozo, configurando assim, um transparente acontecimento do corpo, transmitindo a idéia de permanência – traço psicopatológico presentes na cultura contemporânea.
Eric Laurent no seu livro “A sociedade do sintoma – a psicanálise, hoje” chama atenção dizendo que a visão hedonista do mundo é apoiada no acesso ao gozo “para todos”. Temos hoje dois tipos de relação com o gozo, sendo ambos considerados necessários, um querer mais gozo e um querer a particularidade do sintoma. Dependemos, portanto dos objetos e das fantasias fornecidas pela civilização, para a partir deles extrairmos uma mais-valia de gozo. Ele ainda aponta uma alloverdose – experiência do todo – que “respondem os pequenos furos particulares de cada sujeito liberado da tirania do gozar de “tudo”, significativo que vem a ser o sintoma contemporâneo na dimensão de nossa ex-sistência no mundo, se provando porque dá acesso ao inconsciente como modo de gozar, por conseguinte “a prova da existência do inconsciente está no sintoma”. (Laurent, 2007).
Joyce McDougall psicanalista neozelandesa radicada na França, um dos principais nomes da psicossomática psicanalítica nos dias de hoje, ainda que, efetue uma relevante teorização sobre a psicossomática, esta autora conduz também uma importante teoria em seu livro “Teatros do corpo – o psicossoma em psicanálise”, sobre as relações primárias portando ricas contribuições para a compreensão do lugar do objeto para o sujeito da adicção. Ela utiliza o termo adicção como substituição a palavra toxicomania empregada por muitos teóricos. Como sabemos a expressão toxicomania tem como significado – mania de intoxicar-se com entorpecentes – porém o conceito de adicção, no entender dessa autora, apresenta um sentido bem amplo baseado em sua origem latina, derivação do verbo Addico, cujo sentido remete a entregar-se, configurando um entorpecimento da ordem de um remetimento ao necessário, como venho abordando no presente texto, nos permitindo, portanto entender melhor a importância e a necessidade de condutas adictivas em determinados indivíduos. Ela expõe que:
“[...] os seres humanos tendem mais a adoecer e a sofrer acidentes quando estão ansiosos, deprimidos, estafados, do que quando a vida e o futuro lhe sorriem. A adicção, a meu ver, também faz parte desse conjunto. Com efeito, pode ser considerada como uma tentativa “psicossomática” de superar a dor mental através do recurso a substancias externas que tranquilizam o espírito e suprimem provisoriamente o conflito psíquico. O inconveniente desta solução é que tem que ser repetida indefinidamente.”  (McDougall, 1989/2000:22-23)
 Tanto o corpo quanto a mente, está submetido à sua própria forma de compulsão à repetição. Em sua teoria ela afirma também que o relacionamento mãe-bebê pode ser decisivo para estabelecer os fundamentos de determinadas modalidades de funcionamento psíquico, já que a realidade externa mais remota de um bebê é fundada, pelo inconsciente da mãe/cuidadora, e que por sua vez é estruturado em grande parte, por seus próprios pais/cuidadores e suas próprias experiências infantis, “[...] nos primeiros meses de vida, isto é, antes de ter uma representação clara de sua imagem corporal [...]”, (McDougall, 1989/2000:11), o bebê não vivencia seu corpo ou o de sua mãe a não ser como unidade indivisível. Nesse momento, em um tempo arcaico de constituição da subjetividade, faz-se crucial a questão da discriminação do outro materno, dependendo diretamente da qualidade da presença dessa mãe, assim como o modo como ela vai conduzir esta relação, portanto, o objeto de pulsão é representado pela mãe. Para ela é natural para uma mãe considerar seu recém nascido como um prolongamento narcísico dela mesma e ter com ele uma relação fusional. Porém, o comportamento adicto tem sua origem principalmente na relação mãe-bebê, quando a mãe por razões inconscientes, diante de um funcionamento fusional para com o bebê, cria uma relação de dependência do mesmo à sua presença como um objeto, do qual não é possível se discriminar. Encontramos neste processo a relação do sujeito infans com uma mãe que não foi capaz de desempenhar a sua função materna (winnicottiana) de mãe relativamente boa, dificultando a constituição do mundo interno da criança, com as representações maternas e, no decorrer do processo, impossibilitando possibilidades paternas/cuidadoras, capazes de conter e manejar seu estado de sofrimento psíquico. A importância do papel do pai se dá no campo real e simbólico, mediante a mãe e seu discurso quanto ao sentido que será dado a existência da vida.  Um fator quase tão fundamental é a relação materna/paterna, “a qualidade da gratificação de suas relações amorosas de adultos e o grau de investimento real e simbólico do pai aos olhos da mãe”. (McDougall, 1989/2000:41).
Donald W. Winnicott referenciava o cuidado da maternagem como sendo de uma mãe suficientemente boa – nem tão boa nem tão má – porém disponível o suficiente para ter flexibilidade ao atendimento das necessidades do bebê. Com isso, no decorrer do desenvolvimento, essa via facilitará ao bebê um sentido de segurança em torno do objeto do desejo (o seio), significando que o bebê gradualmente passe a tolerar a ausência do objeto, e dessa forma se inicia a concepção da realidade externa, um lugar de onde os objetos aparecem e desaparecem. O holding é necessário desde a dependência absoluta até a autonomia do bebê, ou seja, quando os espaços psíquicos entre este e sua mãe já estão perfeitamente distintos. O bebê como objeto transicional da mãe correspondente a uma fonte de prazer e tranqüilidade, oferece a ela um sentimento de atenuação das suas dores afetivas, podendo até proporcionar um sentido à vida. Se a mãe de alguma maneira estabelecer no bebê um mecanismo de uma indução à relação adictiva à sua presença, interrompe assim o desenvolvimento natural dos fenômenos transicionais e, por consequência, sem a relação com o não/eu, a criança não desenvolve recursos necessários para o relacionamento equilibrado com o meio. (Winnicott, 1951). Seguindo essa concepção McDougall expõe que:
 “Se o bebê estiver destinado a tornar-se simplesmente o objeto das gratificações libidinais e narcísicas da mãe, haverá não somente um grave risco de distúrbios desde o início da vida como também podemos prever um desmoronamento num estádio ulterior do amadurecimento dos fenômenos transicionais descritos por Winnicott. [...] Estes podem assumir a forma de substâncias ou de relacionamentos dos quais ele dependerá de maneira adicta ou de comportamentos sexuais adictos. Os modelos adictos destinam-se a reduzir o sofrimento mental e os conflitos psíquicos e, nessa medida, são necessários para representar o papel da mãe da infância do indivíduo. As adicções são também tentativas mágicas de prencher o vazio do mundo interior, onde falta uma representação internalizada de uma instância maternal reconfortante, e para restaurar, ainda que fugazmente, o ideal diádico primitivo onde cessa qualquer excitação afetiva”. (McDougall, 1989/2000:90)
Ela refere-se ao uso que a criança faz em relação aos objetos transicionais, por exemplo, da fraldinha – travesseirinho, chupar o dedo, chupeta, cobertor, etc. – possibilitando à criança enfrentar a progressiva separação da mãe – condição necessária ao desenvolvimento – redutor do sofrimento mental e conflitos psíquicos, a primeira descoberta do não/eu e o pertencimento ao mundo dos símbolos, posto que, na falha desse sistema, em função de seus próprios desejos e medos inconscientes – ansiedades, imaturidade, sentimentos de depressão e desamparo, etc. – uma mãe pode induzir ao bebê uma relação adictiva à sua presença e aos seus cuidados, quando, por exemplo, experimenta ela própria sentimentos de solidão, o bebê então poderá ser tratado não como uma pessoa em desenvolvimento, mas como um acompanhante ou objeto transicional que não a deixará – por ela não se permitir nunca sozinha, (Winnicott já considerava uma preocupação materna primária marca clássica da relação mãe-lactente, onde uma parte da mãe também está fundida com seu lactente). Para a autora esse esforço contra a divisão primordial que dá origem ao indivíduo, pode ceder lugar a harmonizações desavindas muito variadas: “a sexualização do conflito, a construção de modelos de personalidade narcísica ou fronteiriça, soluções adictivas como a dependência de drogas ou de medicamentos, alcoolismo, bulimia etc., ou uma fissura profunda entre psiquismo e soma”. (McDougall, 1989/2000:45)
Para autora, existiria uma falha na internalização da função materna na adicção, uma mãe que falha em sua função contenedora/intermediária e estruturante, onde ela mesma promove um excesso pulsional, em um incremento de excitação para o qual o sujeito não consegue representação. E é a partir dessa argumentação que ela explica que por trás de toda organização adicta, encontraríamos uma mãe arcaica que não pôde ser interiorizada de maneira estável pelo infante que buscaria num objeto do mundo exterior o desempenho do papel do objeto interno, insuficiente em sua função. Muito do que acontece em relação à criança depende da presença e da capacidade que os pais/cuidadores têm para conter e elaborar seu próprio sofrimento traumático, assim como o de seus filhos, A autora referencia a importância das representações psíquicas contidas na dualidade mãe/pai, ao apresentarem-se ausentes na estrutura do indivíduo. Na tentativa de um equilíbrio o sujeito posteriormente busca um objeto substituto que, passa a assumir um papel importante nos conteúdos internos não gerados na infância, a presença deste objeto servirá a uma espécie de manutenção, como escape das tensões geradas pelo desequilíbrio, como se refere McDougall relatando que:
“Ao invés de contermos nossas emoções e de refletirmos sobre elas para encontrarmos uma resposta adequada, somos levados a fazer alguma coisa: comer demais, beber demais, fumar demais, provocar uma briga com o namorado, destruir o automóvel... pegar uma gripe! Essas diferentes expressões-através-do-ato, cujo objetivo é dispensar o afeto tão depressa quanto possível, [...].” (Mcdougall, 1989/2000:17)
Portanto, os objetos da adicção teriam como função preencher a lacuna deixada pela função materna falha, ou melhor, o infante teria fracassado em sua tentativa de introjetar a função materna, decorrente da falha materna, e esse tipo de investimento falho materno frequentemente leva a um desejo de excluir o pai em seus dois papéis – real e simbólico. “A falta de tal constelação introjetiva estável incapacita o indivíduo para desempenhar um papel auto-sustentado de cuidar de si mesmo em ocasiões de estresse”. (Mcdougall, 1995-2001:198). O aparelho psíquico que se regulava pelo princípio do prazer, hoje está produzindo novas formas à compulsão à repetição, descarregando qualquer excitação perturbadora por excesso, como algo real e contemporâneo abrindo caminho para a pulsão de morte, colocando em evidência sintomas que até então haviam permanecido vagos.
Há dois conceitos de grande proeminência na obra de McDougall, são eles: normopatia – “indivíduos que, embora sendo profundamente infelizes, tentam encontrar refúgio por trás de um muro de “pseudonormalidade” a fim de tentar se proteger de qualquer tomada de consciência de sua vivência afetiva” – fogem da vida imaginativa e se consomem na ação – e, desafetação – grave distúrbio de economia afetiva, [...] no qual as palavras não tem mais sua distinção primordial, isto é, sua função de ligação pulsional; existem apenas como estruturas congeladas, esvaziadas de substancia e de significação” – conceitos contribuintes de métodos de defesa patológica psíquica – (McDougall, 1974/2000:103:104). Ambos foram cunhados mediante a descrição de distúrbios da economia afetiva que, decorrem na maioria dos casos, provenientes das desarmonias no vínculo com a figura materna – que promovem a exclusão de representações associadas a sentimentos e emoções do aparelho psíquico – porém esses distúrbios não são a causa das restituições psicóticas, tais como delírios e alucinações. Em contrapeso, produzem uma cisão entre a mente e o corpo favorecendo a eclosão de doenças orgânicas. Na metapsicologia de McDougall, ela defende que o afeto pode ser concisamente eliminado do ego, se diferenciando de Freud que propôs ocorrer, respectivamente, na histeria de conversão, na neurose obsessiva e na neurose de angústia ou na melancolia – uma conversão, um deslocamento ou uma transformação. Essa operação psíquica que Macdougall apresenta leva o indivíduo a agir como se nunca tivesse tido acesso aos conteúdos afetivos repudiados, privando-o do acesso a grande parte de sua própria realidade interna e impedindo-o de entrar em contato com todas as nuances emocionais de suas experiências. Ela então começou a questionar “[...] se o objetivo dos comportamentos adictivos não seria obscurecer e afastar da consciência as experiências psíquicas insuportáveis e impossíveis de suprimir porque a força dos afetos em jogo e sua natureza conflituosa suscitavam a confusão” (McDougall, 1989/2000:107). Ela percebeu então que uns sujeitos eram alexitímicos (com redução da habilidade em identificar e descrever sua vivência afetiva nem distinguir os próprios sentimentos), na medida em que não pareciam conscientes de sua violência emocional ou, sujeitos conscientes da força de seus sentimentos, mas tinham tendência a dispersá-los empenhando-se nesta ou naquela forma de ação. Portanto, alguns sujeitos podem tanto evacuar psiquicamente os problemas com os quais se defrontam quanto, sentirem uma necessidade incontrolável de medicamentos, de alimentos, de fumo, de álcool, de opiáceos etc., outros ainda entregam-se a façanhas sexuais frenéticas de natureza compulsiva, às vezes desviante, nas quais o parceiro representa um papel reduzido como pessoa e funciona antes como uma droga, da qual é equivalente. Geralmente são pessoas vazias incompreendidas ou distantes dos outros, indivíduos constantemente voltados para o fazer e não para o ser. Ela expõe que:
“É claro que os indivíduos que buscam auxílio psicoterápico para problemas de adicções não são totalmente alexitímicos: mesmo se sua angústia é rapidamente dispersada graças a utilização da solução adictiva (em particular no caso do abuso de diversas substâncias), eles permanecem conscientes do sofrimento que procuram fazer desaparecer tanto quanto daquele que sua adicção lhes impõe”. O paradoxo apresentado pelo objeto adictivo é o seguinte: apesar de seu potencial às vezes letal, está sempre investido como objeto bom por esta ou aquela parte da mente. Qualquer que seja esse objeto, tem sempre o efeito de tornar a vítima da adicção capaz de reduzir rapidamente, embora de uma forma fugaz, seu conflito mental e sua dor psíquica”. (McDougall, 1989/2000:109)
Nenhum objeto real pode substituir o objeto fantasístico – faltante ou deteriorado – no mundo interno, a substância maternante-tranquilizadora tem que ser constantemente buscada no mundo externo e, como hábito em quantidades crescentes. A ação toma a frente da elaboração mental, representando uma regressão à economia psíquica da primeira infância. Mcdougall prefere chamar esses objetos da adicção de objetos transitórios porque eles falham, proporcionando alívio somente de forma temporária. A fragilidade interna torna-se maior pela falta tanto, da introjeção da mãe capaz de dispensar cuidados, mãe identificadora nas situações de tensão ou de conflito como, do objeto paterno poderoso introjetado – cuidados parentais suficientemente bons. As condutas adictivas se tornam patológicas quando se trata da única solução de que dispõe o sujeito para fazer desaparecer a dor mental da ausência/desamparo.
A autora compara o mecanismo defensivo dos alexitímicos ao mecanismo de cisão do ego, presente nos estados psicóticos, onde o acesso à realidade é bloqueado permanentemente pela retirada do investimento libidinal dos objetos externos, processo semelhante aconteceria com a vivência corporal nos alexitímicos, logo, a libido deixaria de investir o corpo. Enquanto a cisão presente nos psicóticos diria respeito à relação do indivíduo com a realidade externa, nos alexítimicos se daria na relação mente-corpo, corpo que sem o investimento da libido perderia seu tributo afetivo. Portanto, o alexitímico desenvolveria uma desafetação, em relação ao próprio corpo. Contudo, o indivíduo quando desafetado, em situações de sofrimento psíquico, consegue manter relações fusionais com o intuito de recriar a ilusão primitiva de unidade corporal e mental com a figura materna (McDougall, 1991). Com isso, ela relata que os desafetados passam a procurar uma compensação a restrição da capacidade de simbolização que os caracteriza, usando um mecanismo de um agir compulsivo. Perturbações relacionais a dualidade mãe-bebê se destacam como sendo o fator etiológico central da desafetação não descartando uma eventual etiologia neurobiológica. Essa hipótese se relaciona com o fato de que a figura materna tendo como principal tarefa exercer a função de pára-excitação – proteção para com seu bebê das tensões provenientes do mundo exterior, para que isso ocorra, a mãe deve interpretar a comunicação primeva e nomear os estados afetivos de seu bebê, propiciando assim a progressiva dessomatização do aparelho mental do mesmo.
Joyce McDougall, no seu livro: “As Múltiplas Faces de Eros”, trata de uma exploração psicanalítica da sexualidade humana, e nos alerta quando diz que muitas vezes a sexualidade é utilizada como uma droga na tentativa de eliminar angústias primitivas associadas ao temor da fragmentação do próprio ego. Por exemplo: a sedução, o exibicionismo, a obrigatoriedade de mostrar-se sempre permeado de felicidade na cena social, tudo isto nos alerta para o destino equivocado reservado ao outro e ao campo da subjetividade humana. Ela questiona o conceito freudiano de compulsão à repetição como servidor exclusivo às pulsões de morte, e explica que a repetição inconsciente profunda de um comportamento, mesmo patológica pode estar a serviço da vida, da manutenção da saúde psíquica do sujeito, pois tal ato revela na realidade um desejo de manter intacto o sentimento de identidade subjetiva e sexual uma verdadeira pulsão de sobrevivência psíquica. (McDougall, 1995/2001:130).
MacDougall falando de homossexualidade e heterossexualidade comenta sobre as heterossexualidades desviantes e às homossexualidades desviantes introduzindo o conceito de “neo-sexualidades”, relatando criações de indivíduos frágeis e fronteiriços numa tentativa ilusória ou, até mesmo delirante que encontram solução para os conflitos esmagadores. Ela explica que nos desvios, tanto heterossexuais quanto homossexuais, a inevitabilidade de reinventar o ato sexual habitualmente pode ser “[...] rastreada até acontecimentos infantis perturbadores ou comunicações desencaminhadoras a propósito da identidade sexual, dos papéis sexuais e dos conceitos de feminilidade e masculinidade”. (McDougall, 1995/2001:188). E também diz que, talvez a única área que é característica tanto nos homo quanto nos neo-sexuais seja com referência à economia psíquica que rege sua sexualidade. Esta economia é de modo frequente marcada por um sentido de urgência e compulsividade, dando a impressão de que suas vidas sexuais cumprem o papel de uma adicção. (McDougall, 1995/2001:189). Por esse motivo, à noção de neo-sexualidades ela acrescenta a de neonecessidades, nas quais o objeto, sendo ele integral ou parcial ou a prática sexual são buscados incansavelmente, como uma droga. Em relação a economia adictiva como já vimos está diretamente ligada a relação mãe-bebê, podendo até ser decisiva no estabelecimento dos fundamentos de determinadas modalidades de funcionamento psíquico, é muito comum, o indivíduo ser proveniente de um contexto familiar em que não existe pertinência, holding, e que por isso mesmo não permite o desenvolvimento do juízo crítico. A solução adictiva nada mais é do que uma tentativa de cura de si mesmo diante de estados psíquicos ameaçadores, o senso de escolha de um objeto adictivo raramente é uma questão de oportunidade. Cada ato ou objeto são correspondentes a períodos especiais do desenvolvimento nos quais, houve um fracasso de integração dos objetos internos no sentido de ajuda e cuidado. Essa busca revela uma apropriação do estado ideal que o indivíduo espera alcançar por intermédio da substância, da pessoa ou do ato procurados – plenitude, exaltação, potência, ausência de dor, nirvana etc. Como já foi dito os objetos de adicção não se limitam a substâncias, pessoas podem servir a esse propósito. Um relacionamento estabelecido por uma necessidade narcísica – quando o individuo se vê defrontado com vivências afetivas ameaçadoras – fatalmente cria uma dependência exigente e um sentimento infantil de desamparo. Na adicção essa busca compulsiva implica uma escravidão traumática – um servir a um objeto – remetendo a dimensões de atividade e de passividade. McDougall explica que:
“A dimensão adictiva da sexualidade humana, seja no contexto heterossexual, homossexual ou auto-erótico, podem também ser conceituada como o colapso da internalização das funções parentais [...] – em especial da mãe ambiental que é vivenciada, pelo infante desamparado, como incapaz de modificar seu sofrimento físico ou psíquico. Nessa eventualidade, as relações sexuais podem vir a representar uma maneira dramática e compulsiva de impedir que a auto-imagem narcísica se desintegre. [...] Assim, a utilização da sexualidade de maneira semelhante à de uma droga torna-se necessária para suspender sentimentos de violência e para anestesiar, ainda que temporariamente uma imagem castrada do self, uma ameaça de perda dos limites do ego ou sentimentos de morte interior”.   (McDougall, 1995/2001:204)      
Enfim, em todo conteúdo do texto, tentando abordar sobre o desamparo humano e as psicopatologias adictas, podemos observar que essas novas patologias se configuram pela presença de quadros narcisistas, que incluem a não representação, portanto pertencentes à ordem da ação. Na teoria freudiana, as psicopatologias eram da ordem do pensamento. Diversos autores contemporâneos evidenciam que o novo destas patologias não é sua emergência, mas sim a abundância ocorrida na atualidade. Equivalendo dizer que elas já existiam não fazem parte do novo, apenas estão se apresentando de forma bastante evidente, muito presentes no cotidiano clínico. Uma exacerbação narcísica, em detrimento da deteriorização e quebra das utopias e ideais simbólicos – pela perda de vínculos significativos – está produzindo efeitos angustiantes potentíssimos sobre a psique, gerando subjetividades fragilizadas, originando verdadeiros colapsos de identidade e uma cultura de violência, sem contar com as diferentes formas e graus de resistências que o ser humano vem apresentando.
Desta forma, procurei pontuar o desamparo humano terminando esta parte como subsídio para a compreensão das novas configurações subjetivas que se tornaram abundantes na contemporaneidade sob a forma de psicopatologias adictas. A vida é sutil, o saber que ela mobiliza nunca é inteiro nem derradeiro, ela engrena o saber no rolamento da refletividade infinita.
 Considero ser bastante pertinente referenciar o filme irlandês Goldfish Memory – escrito e dirigido por Elizabeth Gill – trata justamente dos relacionamentos contemporâneos livres, breves e intensos. O título referencia a explicação de um dos personagens sobre a memória do “peixinho dourado”. Será que os peixinhos dourados são seres felizes? Posto que, sua memória dura apenas três segundos, fazendo com que cada experiência pareça inteiramente nova. Faço aqui uma alusão à metáfora da repetição, podendo configurar um verdadeiro mecanismo de repetição.
Ilustrando o desamparo humano deixo aqui os dizeres do escritor brasileiro Machado de Assis na sua obra “Memórias póstumas de Brás Cubas” que, ao narrar à experiência de delírio de Brás Cubas, expõe sua visão sobre as limitações do ser, desamparado que busca se haver com o vazio:
“Ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a civilização, e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se, construía o tugúrio e o palácio, a rude aldeia e Tebas de cem portas, criava a ciência, que perscruta, e a arte que enleva, fazia-se orador, mecânico, filósofo, corria a face do globo, descia ao ventre da terra, subia à esfera das nuvens, colaborando assim na obra misteriosa, com que entretinha a necessidade da vida e a melancolia do desamparo”. (ASSIS, 1992: 524).
 
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