Políticas Públicas em Saúde Mental no campo de Álcool e Outras Drogas - Marília Caponni

Experiências com a Supervisão Clínica em Equipamentos de Saúde Mental - Cláudio Loureiro

Articulações e Tensões entre as Políticas Públicas e a Política da Psicanálise - Rodrigo Alencar

O Acompanhamento Terapêutico e o Problema das Drogas pela Psicanálise - Ivan Estevão

Que Política para o Crack? - Debate parte 1

Que Política para o Crack? - Debate parte 2

I – Neurose Contemporânea – Que civilização é essa? Texto II

I – Neurose Contemporânea – Que civilização é essa?

Texto - II

Freud analisou o ser humano em três planos:

Ontogenético: a evolução do indivíduo reprimido, desde a mais remota infância até a sua existência social consciente.

Filogenético: a evolução da civilização repressiva, desde a horda primordial até o estado civilizado plenamente constituído.

Cultural: a evolução relativa a um grupo de indivíduos. Analisou longamente a agressividade na cultura, que resulta no mal-estar que todos sentimos cotidianamente.

O filósofo Herbert Marcuse, de reputação internacional, escreveu “Eros e civilização”, fazendo uma interpretação filosófica do pensamento freudiano. Ele conseguiu dominar o pensamento e os corações de toda uma geração e, nos anos 70, já havia uma edição brasileira publicada. Com certa conjugação de Marx e Freud, a utopia dominava o espírito de todos, dos intelectuais e das massas e, no Brasil, a referência freudiana era uma novidade não muito bem aceita. Marcuse não pretendia acrescentar concepções exteriores à teoria freudiana com sua interpretação, mas manter-se fiel às suas categorias, observando a possibilidade de um desenvolvimento “não-repressivo” das pulsões, a partir dos seus próprios conceitos.
O meu interesse não é apurar se Marcuse mantém-se fiel às categorias da teoria freudiana, ou se as deforma. Penso que, os temas elaborados por ele de ordem psicanalítica-estética-política permanecem atuais. A questão da gratificação praticamente nula do trabalho no sistema econômico vigente, a “arte” sendo cooptada pelo sistema mercadológico, o antagonismo entre realidade e ideal, a obrigatoriedade de produtividade excessiva, todos esses contextos se encontram presentes e relevantes na atualidade.
A obra de Marcuse tem uma linguagem política bem intensa, mas o que ele propõe realmente é uma nova reflexão da subjetividade e da civilização dentro de um contexto histórico. Ele descreve com propriedade a dominação na sociedade de consumo como um processo de apropriação da própria base instintiva dos homens, e aponta alternativas históricas para fundamentar a possibilidade de uma mudança qualitativa nas relações humanas. É preciso que haja uma revolução na base instintiva dos homens para que aconteça qualquer mudança social e, desta maneira, possam despertar para suas verdadeiras vicissitudes, aquelas que pressupõem uma qualidade de vida digna de todo ser humano. Conforme Marcuse:
“A tese Eros e Civilização, mais completamente desenvolvida no meu livro One-Dimensional Man,* era que o homem só podia evitar a fatalidade de um Estado de Bem-Estar Social através de um Estado Beligerante mediante o estabelecimento de um novo ponto de partida, pelo qual pudesse reconstruir o sistema produtivo sem aquele “ascetismo do mundo interior” que forneceu a base mental para a dominação e a exploração.” – (Eros E Civilização - Pg. 15)
Freud, dentro de um contexto geral, considera que a existência da sociedade depende da repressão pulsional. Marcuse condenava esta civilização que, segundo Freud, precisa basear-se na repressão, e aponta uma sociedade “não-repressiva”. Para Marcuse, o caminho para a libertação do trabalhador é, antes de tudo, possibilidades históricas. Em sua opinião, o progresso tecnológico fornece os meios para a eliminação gradual do trabalho alienado, da repressão e da infelicidade humana.
Na época da industrialização, na década de 50, ele previa o fim da sociedade do trabalho e, ainda, que os homens possuíam todas as forças materiais e intelectuais necessárias para uma sociedade livre, eliminando a pobreza, a fome, a miséria e o trabalho alienado. O que faltava era a conscientização desse fato. Apesar de anteriormente haver histórias de revoluções traidoras, ele sempre acreditou na possibilidade histórica de uma nova realidade “não-repressiva”, assim como na possibilidade histórica de um novo indivíduo autônomo. Pensando nisso, ele construiu uma teoria “psicanalítica-estético-política”, voltada à utopia de uma sociedade “não-repressiva”.
Está presente no pensamento marcusiano o questionamento do papel político da arte como libertadora ou alienadora na sociedade industrial avançada, bem como seu processo de consolidação da classe burguesa. Observando o caráter utópico da arte, o antagonismo entre principio de realidade e de prazer, a certa relevância política das camadas profundas da psique humana tocadas pela arte, para com as culturas (uni e bidimensionais) e a arte. O poder absorvedor da sociedade faz com que se esvazie a dimensão artística pela absorção de seus conteúdos antagônicos. Com o fim da sociedade do trabalho, ele prevê que as formas de trabalho no futuro seriam prazerosas. A sensibilidade e imaginação modelariam para um tipo de trabalho conscientizado de indivíduos livres, uma produtividade para um processo de trabalho de criação, o trabalho seria, em seu pensamento – sublimação prazerosa.
A teoria das pulsões em Freud se identifica, de certa maneira, com a ética idealista e com a filosofia existencial marcusianas, na questão do princípio da realidade se impor ao princípio de prazer. Porém, para Marcuse, não existe possibilidade de organização social menos reprimida, a liberação pulsional e a abolição da repressão inerente ao princípio de realidade não levariam necessariamente à desordem, mas sim a um novo princípio de desempenho, alcançado no prazer e no livre desenvolvimento das potencialidades humanas. Na teoria marcusiana, ainda se faria necessário um grau mínimo de repressão pulsional, tanto social como biológica, o que ele designa por “repressão básica”, que difere em grau da “mais repressão” vigente e que seria a condição de possibilidade para organização social.
Há pormenores minuciosos entre recalque e sublimação, e Freud os indicou no ensaio da obra “O mal-estar na civilização”. Buscando indicações nesse trabalho, onde eles se encontram dispersos, nos deparamos com um novo conceito de sublimação. No ensaio Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância – 1910, Freud comenta que já dispunha, nas técnicas de psicanálise, de excelentes métodos de ajuda para trazer à superfície elementos ocultos. Ele aponta que, o que caracteriza a sublimação poderia ser a passagem direta da sexualidade “perversa polimorfa” para a criação de um objeto, onde se faria um desvio e provocaria uma pane em certos componentes na operação do recalque. Conforme Freud:
“Sem uma discussão minuciosa de minhas concepções do recalcamento eu não poderia esclarecer melhor essa parte da teoria. Basta remeter aqui a meus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905 d), onde tentei lançar alguma luz, por parca que seja, nos processos somáticos em que se deve buscar a natureza da sexualidade. Ali expus o fato de que a disposição sexual constitucional da criança é incomparavelmente mais variada do que se poderia esperar, que merece ser chamada de “perversa polimorfa”, e que o chamado comportamento normal da função sexual brota dessa disposição mediante o recalcamento de certos componentes. Através da referência aos caracteres infantis da sexualidade pude estabelecer um vínculo simples entre a saúde, a perversão e a neurose”. (Minhas Teses Sobre o Papel Das Sexualidades Na Etiologia Das Neuroses).
Freud, desde 1905, em Três Ensaios Sobre A Sexualidade – A Sexualidade Infantil, aborda a questão da disposição “perversa polimorfa” da sexualidade infantil e, deixa claro, que não podemos confundi-la com a perversão como estrutura. A criança “perversa polimorfa” é aquela que ainda não fez a escolha decisiva que vai lhe firmar o estatuto de sujeito, dividido por seu objeto. Conforme Freud:
“É instrutivo que a criança, sob a influência da sedução, possa tornar-se perversa polimorfa e ser induzida a todas as transgressões possíveis. Isso mostra que traz em sua disposição a aptidão para elas; por isso sua execução encontra pouca resistência, já que, conforme a idade da criança, os diques anímicos contra os excessos sexuais — a vergonha, o asco e a moral — ainda não foram erigidos ou estão em processo de construção”. (Três Ensaios Sobre A Teoria Da Sexualidade – (1905) - A Sexualidade Infantil)
Freud, em 1919, no texto Uma Criança É Espancada – Uma Contribuição AO Estudo Da Origem Das Perversões Sexuais, afirma que em determinadas situações:
“A perversão não mais é um fato isolado na vida sexual da criança, mas encontra o seu lugar entre os processos típicos, para não dizer normais, de desenvolvimento que nos são familiares. É levada a uma relação com o objeto de amor incestuoso da criança, com o seu complexo de Édipo. Destaca-se, de início, na esfera desse complexo; e depois que o complexo sucumbiu, permanece, quase sempre por si, como herdeiro da carga de libido daquele complexo, oprimido pelo sentimento de culpa ligado a ele”. (Uma Criança É Espancada – Uma Contribuição AO Estudo Da Origem Das Perversões Sexuais –Vol.XVII).
Observa-se, a partir de suas afirmações que, se a função paterna não desempenha um papel real na tríade mãe/criança/falo imaginário, a criança fica submetida à economia do desejo sob a proteção do falo imaginário. O que está em jogo neste contexto é o pai imaginário (personificado), que aparece para a criança como outro. A criança “perversa polimorfa” parece saber algo da castração, querendo ao mesmo tempo nada dela saber. Pensar perversões a partir do jogo fálico e das identificações perversas, é uma elaboração de um objeto imaginário em que falta a mãe. Assim, num primeiro momento, a criança identifica-se a este objeto para preencher a mãe faltosa (identificação fálica) e, num segundo momento, surge a questão de ser castrado ou não, produzindo angústia. Podemos, então, comprovar, o avanço que já se estabelece, aqui, nas teorias freudianas.
Conforme Freud:
“Os historiadores da cultura parecem unânimes em supor que, mediante esse desvio das forças pulsionais sexuais das metas sexuais e por sua orientação para novas metas, num processo que merece o nome de sublimação, adquirem-se poderosos componentes para todas as realizações culturais. Acrescentaríamos, portanto, que o mesmo processo entra em jogo no desenvolvimento de cada indivíduo, e situaríamos seu início no período de latência sexual da infância”. (Três Ensaios Sobre A Teoria Da Sexualidade – (1905) - A Sexualidade Infantil)
Na leitura de Marcuse:
“Sempre que a sublimação repressiva prevalece e determina a cultura, a sublimação não-repressiva deve-se manifestar em contradição com toda a esfera de utilidade social; vista a partir dessa esfera, é a negação de toda produtividade e desempenho aceitos.” – (Eros E Civilização - Pg. 182)
A necessidade de satisfação e de prazer é constituinte ao ser humano e é impossível ignorá-la. Segundo Marcuse, para que existam cultura e civilização não há necessidade de repressão nas pulsões eróticas, da maneira vigente no capitalismo. A possibilidade da “sublimação não-repressiva” implica que esta possa agir sobre um sistema de relações libidinais crescentes e duráveis nas relações de trabalho. Uma tendência erótica no trabalho é dada pelo atual nível de desenvolvimento das forças produtivas. O trabalho no sentido automático, enervante e não lúdico, seria abolido e substituídos pelo trabalho prazeroso – a base para a nova sociedade – um novo mundo estético. Marcuse segue escrevendo que:
“A regressão assume uma função progressiva. O passado redescoberto produz e apresenta padrões críticos que são tabus para o presente. Além disso, a restauração da memória é acompanhada pela recuperação do conteúdo cognitivo da fantasia. A teoria psicanalítica remove essas faculdades mentais da esfera neutra da divagação e da ficção e capta de novo suas rigorosas verdades. O peso dessas descobertas deve, finalmente, despedaçar a estrutura em que foram feitas e confinadas. A libertação do passado não termina em sua reconciliação com o presente. Contra a coação auto-imposta da descoberta, a orientação sobre o passado tende para uma orientação sobre o futuro.” – (Eros E Civilização - Pg. 39)
Para ele, a psicanálise é, portanto, um instrumento político para o materialismo revolucionário. É um postulado teórico e prático da ação revolucionária. Caminhando para além da realidade repressiva, o homem elaboraria novos modelos e fins de produção. Marcuse considera que essas novas relações e afinidades seriam o resultado de uma solidariedade biológica em trabalho e finalidade, uma verdadeira harmonia entre necessidades e objetivos sociais e individuais. Freud e Marcuse divergem na dimensão utópica, em contrapartida se aproximam no retorno a Eros. Os mitos continuam a nos relembrar a difícil e inalienável tarefa ética de construir - intelectual e existencialmente – uma consciência contemporânea.
Fredric Jameson, crítico literário e político marxista, conhecido por sua análise da cultura contemporânea e da pós-modernidade, faz uma citação em seu livro Marxismo e Forma, em que sintetiza com muita perspicácia a contribuição da interpretação filosófica do pensamento de Freud, realizada por Marcuse:
“[A obra de Marcuse] pode servir como amostra objetiva de algumas das formas que uma hermenêutica marxista dispõe para desenvolver a dimensão política autentica a textos disparatados que se acumulam no livro de nossa cultura: não através de uma fácil interpretação simbólica ou alegórica, mas lendo o próprio conteúdo e impulso formal dos textos como figuras - seja da integridade psíquica, da liberdade, ou do movimento em direção à transfiguração utópica - do desejo revolucionário irreprimível”. (JAMESON, F. Marcuse e Schiller in Marxismo e Forma. São Paulo: Hucitec,1985. pp.124-5)
Voltando ao tema da perversão, esse passou por significativas alterações nos estudos freudianos. A palavra ‘perversão’, derivada do latim pervertere (perverter), é um termo empregado em psiquiatria e pelos fundadores da sexologia, em meados do século XIX. O saber psiquiátrico inclui entre as perversões, práticas sexuais tão diversificadas quanto o incesto, a homossexualidade, a zoofilia, a pedofilia, a pederastia, o fetichismo, o sadomasoquismo, o travestismo, o narcisismo, o auto-erotismo, a coprofilia, a necrofilia, o exibicionismo, o voyeurismo e as mutilações sexuais.
A partir de 1896, o termo perversão foi adotado definitivamente pela psicanálise como conceito, conservando a ideia de desvio sexual em relação a uma norma. Nessa nova acepção, o conceito é desprovido de qualquer conotação pejorativa ou valorizadora e, se inscreve, juntamente com a ‘psicose’ e a ‘neurose’, numa estrutura tripartite. Foi sempre em referência a um processo de negatividade e numa relação dialética com a neurose que Freud definiu a perversão.
De 1905 a 1927, as descrições das perversões sexuais passaram para uma teorização do mecanismo geral da perversão, não sendo apenas o resultado de uma predisposição polimorfa da sexualidade infantil, mas a conseqüência de uma atitude do sujeito humano confrontado com a diferença sexual. Com isso, passa a existir tanto no homem quanto na mulher, porem, não se distribui da mesma maneira entre os dois sexos no que concerne ao fetichismo e à homossexualidade. (Dicionário De Psicanálise - Elisabeth Roudinesco e Michel PLon)
A perversão tem sido uma questão controversa em psicanálise. Alguns autores a situam, com suas particularidades teóricas, dentro das categorias psicopatológicas, ao lado das neuroses e psicoses, outros como estrutura. Na obra freudiana, podemos encontrar esse conceito em momentos distintos.
Michel Foucault, grande filósofo de todas as épocas, em “História Da Sexualidade” – I – “A Vontade De Saber”, pensa a perversão nas sociedades industriais emergentes e nos diz:
“É preciso, portanto, abandonar a hipótese de que as sociedades industriais modernas inauguraram um período de repressão mais intensa do sexo. Não somente assistimos a explosão visível das sexualidades heréticas mas, sobretudo – e é esse o ponto importante – a um dispositivo bem diferente da lei: mesmo que se apóie localmente em procedimentos de interdição, ele assegura, através de uma rede de mecanismos entrecruzados, a proliferação de prazeres específicos e a multiplicação de sexualidades disparatadas”. (Edição eletrônica - Pg. 48)
Foucault, aqui, abre nossos olhos com essa afirmação, dizendo o quanto as informações são acobertadas dentro de uma sociedade. Se a repressão era o modo fundamental de ligação entre poder, saber e sexualidade, só conseguiríamos uma liberação a um preço considerável. Teríamos necessidade de transgredir as leis, suspender as interdições, fazer uma invasão súbita da palavra, uma restituição do prazer ao real e toda uma nova economia dos mecanismos do poder, pois toda nova eclosão de verdade é condicionada politicamente. Colocando a origem da repressão no século XVII, coincidindo com o início do capitalismo, fazendo ele parte da ordem burguesa, na época em que se explora a força do trabalho, o discurso da repressão se sustentava porque era fácil ser dominado. Havia uma precaução em garantir e proteger a ordem histórica e política. Conforme Foucault:
“A Sociedade “burguesa” do século XIX e sem duvida a nossa, ainda, é uma sociedade de perversão explosiva e fragmentada. Isso, não de maneira hipócrita, pois nada foi mais manifesto e prolixo, nem mais abertamente assumido pelos discursos e instituições”. (Edição eletrônica - Pg. 46-47)
Para Foucault, a sociedade moderna é perversa, não em relação ao seu puritanismo ou como reação à sua hipocrisia, mas como perversão real e direta. O sistema é perverso. Ele pensou a ética, como possibilidade de apontar o sujeito que constitui a si próprio como sujeito das práticas sociais.
Penso ser pertinente o contato com a obra de Foucault, para refletir e tentar compreender melhor a complexidade atual, o motivo pelo qual o homem moderno constitui critérios de um modo de subjetivação em que tenha espaço a liberdade. O estilo de narrações foucaultiano é repleto de metáforas, frases quase em versos e parágrafos em aforismos e, tudo isso o torna além de escritor, um pensador e um estudioso que se transformou em um dos maiores filósofos atemporais, que refletiu intensamente sobre a história, sobre a sociedade e o homem como objeto deste contexto.
Joyce MacDougall, psicanalista neozelandesa radicada na França, autora de vários livros, a partir de 1972, contribui na perspectiva da psicologia do self, com uma das melhores revisões da doutrina freudiana da perversão, constatando que a estrutura tripartite – neurose, psicose, perversão –, é uma estrutura rígida demais para explicar os distúrbios sexuais ligados às diferentes perturbações narcísicas do eu. Nomeou, então, de neo-sexualidade e de sexualidade ativa as forma de sexualidade perversas, próximas das drogas e da toxicomania, mas que possibilitem a alguns sujeitos à beira da loucura a encontrarem o caminho da cura, da criatividade e da auto-realização. (Dicionário De Psicanálise - Elisabeth Roudinesco e Michel PLon)
Em “O mal-estar na civilização”, Freud remanejou também a teoria da angústia e introduzindo o paradoxo da “pulsão de morte”, ele faz equivaler o sentimento de culpa inconsciente, produzido pela própria civilização. Vivemos em um tempo em que o ‘capital’ tornou-se poderosíssimo, portando-se como condutor dos atos, induzindo-nos ao consumo desenfreado de objetos produzidos pelo capitalismo científico-tecnológico, que se apresentam como laço social dominante da atualidade, promovendo uma ilusão de completude, oferecendo à sociedade adicta/consumista objetos de consumo curtos, rápidos e descartáveis, gerando tédio/angústia, na mesma velocidade em que são consumidos.
Freud, em seu texto “O futuro de uma ilusão”, nos mostra que o devir já não está mais presente, ele cede lugar para o acontecimento. Esse consumo/adicto vem desregulando o laço social, se apresentando desprovido de leis, produzindo, assim, novos sintomas e novos males, que requerem novos saberes. Desse modo, novos fármacos vão sendo produzidos pela tecnologia capitalista. Os manuais de diagnósticos parecem querer tecer uma nova língua-objeto comum entre todos os profissionais da área da psique, para que dentro de uma margem mínima de erro possa ser aplicada uma nova tecnologia exata, que pode ser nomeada como uma suposta medicalização precisa. Com uma ilusão fundada na ciência da felicidade, essa nova tecnologia farmacológica vai se tornando o sonho dessa sociedade adicta/consumista presente na contemporaneidade.
Como diz Éric Laurent, renomado psicanalista e escritor em seu livro “A Sociedade Do Sintoma – a psicanálise, hoje”:
“Foi preciso o declínio do pai para que o parricído deixasse de ser interessante e a criança maltratada tomasse a frente da cena. Foi preciso a sociedade de consumo para que as epidemias anoréxicas e bulimicas adquirissem escala de massa, e para que, de maneira mais global, fossem desencadeadas as adições de todo tipo”. (Pg.175)
Os textos atemporais de Freud nos ajudam a uma reflexão em torno dos acontecimentos que estão presentes na sociedade contemporânea. O mal-estar na civilização e a metapsicologia freudiana continuam em aberto, com suas peculiaridades, desafios e contradições, à espera de novas investidas no sentido de melhor entender a organização social humana. E, onde se encontram os normais: os neuróticos, os psicóticos, os perversos, etc., senão contidos na organização social humana? Sigmund Freud viveu de 1856 (Viena) até 1939 (Londres) e, alguma reflexão deve restar para nós, meros mortais. Talvez até seja possível sonhar com uma convivência menos trágica do que a da atualidade.
Nossa civilização contemporânea é eclética, portanto Laurent nos diz:
“Nossa civilização tem tanto suas novas quanto suas antigas neuroses, suas pisicoses ordinárias e suas psicoses desencadeadas, sua crise de autoridade, sua herança cética das Luzes e seu retorno ao religioso, sua tentação comunitária multiforme”. (Pg.175)

"Quem sonda o símbolo assume todos os riscos.” – Frase de Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde, ele era um talentosíssimo escritor irlandês.


Até o próximo texto !!!
 
Home | O BLoG | Contato | | | |

Sociedade Adicta e a Phoenix - Copyright © 2009'|Designed by Templatemo|Converted to blogger by BloggerThemes.Net