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III - Sociedade Adicta/Consumista

III - Sociedade Adicta/Consumista

Texto - IV

O ato de consumir está presente em toda e qualquer sociedade humana, é um ato trivial, um elemento inseparável de sobrevivência biológica. Desde o surgimento das primeiras comunidades e aglomerados sociais, percebe-se o consumo como uma atividade fundamental para o desenvolvimento econômico, tendo seu início com as primeiras trocas comerciais e se estendendo até a cultura consumista preponderante atualmente.

O texto “O mal-estar na civilização” (1930 [1929]), no capitulo anterior, mostra o quanto Sigmund Freud é atemporal e ainda se faz presente na humanidade. Estamos, hoje, caminhando no século XXI com uma velocidade comparada a do cyberspace, com a diferença fundamental que esse cyberspace é um espaço construído e não um espaço dado, pré-existente. Na sociedade atual, sociedade adicta/consumista, as relações sociais escravizam-se pelo dinheiro e pelo poder de consumo e, nossa atual cultura aponta para uma necessidade absoluta da conquista de prazeres, num mundo capitalista, onde está muito complicado e até patológico viver. Comportamentos que saem do padrão de normalidade, inúmeros fatos relatados que são revoltantes e inaceitáveis, fazem-nos pensar que o ser humano está mais pertencente ao mundo da incivilidade. Tais comportamentos mudam ao sabor das novidades, dos avanços de comunicação, das referências individuais e grupais, exigindo constantes adaptações às novas linguagens e modismos, trazendo exigências novas para a nova convivência, cobranças sociais e profissionais. A dialética atual abre caminhos para a introspecção, reflexão, expressão, criatividade, eficiência, etc. e, ao mesmo tempo, favorece a desorganização, a prevalência de pensamento concreto, do imediatismo, do narcisismo, da irracionalidade, do vício, da inconseqüência etc. Estes estados mentais podem resultar em sentimentos de impotência, insegurança, instabilidade e ambivalência, entre outros, gerados pelas mudanças rápidas e constantes da sociedade. Criam-se sentimentos de vazio interior, de tédio, de angustias cada vez mais frequentes, onde populações cada vez mais jovens sofrem com a desorganização dessa teia social.

As estatísticas comprovam o aumento de tensão, estresse, violência e doenças psicossomáticas na atualidade. Hoje nossa sociedade é potencialmente urbana e industrial, há um vício de consumo quase que pairado no ar, com o poder de nos transformar em mercadorias, onde o mais aterrorizante é que as mercadorias podem ser descartáveis e, quanto mais avançamos mais cenários paradoxais vão surgindo. O avanço técnico-científico está caminhando em descompasso com a ética, a civilidade e o respeito humano, se é que este ainda existe. A capacidade de resolução de problemas com argumentos está em extinção, mesmo tendo o ser humano atingido certo grau civilizatório. Mudanças econômicas, políticas e sociais vem se acelerando intensamente nas últimas décadas, transformações cada vez mais rápidas e radicais, provocando desorientação em todos nós. Os conceitos inovadores dos produtos industriais do nosso século apresentam características muito diferentes de poucas décadas passadas. São muitas as dimensões mundiais em transformação. As novas tecnologias, a partir da eletrônica e da cibernética e sua aplicação à microinformática rompem com princípios que, há muito, tínhamos como referência para lidar com o processo de informação nas sociedades humanas, em todos os sentidos. Freud em seu texto “O futuro de uma ilusão” (1927) faz a seguinte colocação:

“As criações humanas são facilmente destruídas, e a ciência e a tecnologia, que as construíram, também podem ser utilizadas para sua aniquilação. Fica-se assim com a impressão de que a civilização é algo que foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria que compreendeu como obter a posse dos meios de poder e coerção. Evidentemente, é natural supor que essas dificuldades não são inerentes à natureza da própria civilização, mas determinadas pelas imperfeições das formas culturais que até agora se desenvolveram. E, de fato, não é difícil assinalar esses defeitos. Embora a humanidade tenha efetuado avanços contínuos em seu controle sobre a natureza, podendo esperar efetuar outros ainda maiores, não é possível estabelecer com certeza que um progresso semelhante tenha sido feito no trato dos assuntos humanos; e provavelmente em todos os períodos, tal como hoje novamente, muitas pessoas se perguntaram se vale realmente a pena defender a pouca civilização que foi assim adquirida. Pensar-se-ia ser possível um reordenamento das relações humanas, que removeria as fontes de insatisfação para com a civilização pela renúncia à coerção e à repressão dos instintos, de sorte que, imperturbados pela discórdia interna, os homens pudessem dedicar-se à aquisição da riqueza e à sua fruição. Essa seria a idade de ouro, mas é discutível se tal estado de coisas pode ser tornado realidade. Parece, antes, que toda civilização tem de se erigir sobre a coerção e a renúncia ao instinto; sequer parece certo se, caso cessasse a coerção, a maioria dos seres humanos estaria preparada para empreender o trabalho necessário à aquisição de novas riquezas. Acho que se tem de levar em conta o fato de estarem presentes em todos os homens tendências destrutivas e, portanto, anti-sociais e anticulturais, e que, num grande número de pessoas, essas tendências são suficientemente fortes para determinar o comportamento delas na sociedade humana.” (O Futuro De Uma Ilusão – (1927))

Uma sociedade adicta/consumista surge como negação do destino trágico do humano, cuja consciência nos humaniza, mas nos obriga a conviver com a angústia do desamparo, a adicção/consumista convida ao entorpecimento pela impulsividade. Cultivamos valores contraditórios, valores próprios dessa sociedade, na qual, progressivamente, para ser é preciso ter. Nessa sociedade atual, impulsiva, compulsiva e controlada, no sentido da compulsão, a diferença está na droga de escolha. Queixamo-nos dos traficantes e dos dependentes químicos, porém, a atual sociedade promove funcionamentos sociais que geram dependências tão maléficas quanto certas adicções ou dependências químicas. Nunca tivemos uma época com tanta informação a nossa disposição em todos os níveis, em oposição à pouquíssima educação. Aliás, temos como base de educação a de sermos consumidores potenciais, caso contrário seremos descartados/descartáveis. Muito se tem falado sobre sociedade de consumo e globalização, e Freud enfatizou a importância da valorização da singularidade de cada pessoa, questionando as soluções coletivas contrárias aos desejos de cada um. Porém, ressaltou a importância do indivíduo em tolerar a restrição dos seus desejos individuais para serem parcialmente modificados por sentimentos altruístas, quer dizer, sentimentos amorosos pelo outro ser humano. Somente isso possibilitaria o estabelecimento de interações interpessoais e grupais satisfatórias entre as diferentes gerações, na convivência em sociedade, com reflexos na cultura. Conforme Theodor Adorno, filosofo alemão, autor canônico e muito citado quando o tema se refere à industria cultural:

“Mas a novidade consiste em que os elementos inconciliáveis da cultura, arte e divertimento, sejam reduzidos a um falso denominador comum, a totalidade da indústria cultural. Esta consiste na repetição. Que as suas inovações típicas consistam sempre e tão somente em melhorar os processos de massa não é de fato extrínseco ao sistema. Em virtude do interesse de inumeráveis consumidores, tudo é levado para a técnica, e não para os conteúdos rigidamente repetidos, intimamente esvaziados e já meio abandonados”. (Indústria Cultural e Sociedade –Pg.29 - Theodor Adorno).

O homem perdeu sua autonomia e, em consequência disso, a humanidade cada vez mais se torna desumanizada. O domínio da razão humana, que no Iluminismo era como uma doutrina passou a dar lugar para o domínio da razão técnica. Os valores humanos foram deixados de lado em troca de interesses econômicos. O que passou a reger a sociedade, então, foi a lei do mercado. Com isso, quem conseguir acompanhar esse ritmo e essa ideologia de vida talvez consiga sobreviver, e aquele que não acompanhar ficará jogado à margem da sociedade. Nessa corrida pelo ter nasce o individualismo que, segundo Adorno, é o fruto de toda essa indústria cultural. Um exemplo citado por ele é o cinema, que antes era um mecanismo de lazer, uma arte, e agora se tornou um meio eficaz de manipulação. Nessa indústria cultural o homem não passa de mero instrumento de trabalho e de consumo, considerado assim um objeto. O homem é tão bem manipulado e ideologizado que até mesmo o seu lazer se torna uma extensão do trabalho. Tudo que o homem faz, hoje, o faz seguindo a ideologia dominante.

A maior expressão desta sociedade adicta/consumista, que possui o consumo como base, são os shoppings. Locais concebidos como simulacros das cidades modernas, onde é possível adquirir os bens mais variados, encontrar inúmeras formas de entretenimento e se alimentar, apagando os contratempos da diferença, tudo sob condições climáticas controladas que tornam o ambiente plausível, liberto por completo das estações e das intempéries. A grande força da indústria cultural é proporcionar ao homem necessidades, mas não aquelas necessidades básicas para se viver dignamente que todo ser humano necessitaria como comida, educação, casa, lazer e assim por diante, mas sim, as necessidades do sistema vigente, colocando-o numa posição de máquina de consumo, vivendo sempre insatisfeito, buscando constantemente consumir e ampliando esse poder consumidor. Temos, ainda, a possibilidade de relacionar as necessidades humanas em biogênicas (necessidades fisiológicas básicas, como alimento, ar e abrigo), psicogênicas (necessidades aprendidas na formação cultural e social, como status e reconhecimento), utilitárias (o consumidor avalia racionalmente os atributos objetivos e tangíveis dos produtos e serviços) e hedônicas (necessidades subjetivas como alegria e autoconfiança, decorrentes da aquisição e do uso de um produto). Renovando sempre esse universo e transformando-o cada vez mais num universo de coisas, o aspecto simbólico assumido pelas mercadorias, torna-as, então, um meio de diferenciação de um consumidor perante o outro.

Embora para Adorno exista uma saída, e esta se encontra na própria cultura do homem - a limitação do sistema e a estética, combater o mal com o próprio mal, percebe-se que qualquer ação encontra-se meio que amarrada e distante. A modernidade costuma ser entendida como visão de mundo, que está relacionada ao projeto de mundo moderno, empreendido em diversos momentos ao longo da Idade Moderna e consolidado com a Revolução Industrial. Está normalmente relacionada com o desenvolvimento do Capitalismo. O termo capitalismo era desconhecido para Nietzsche. Uma vez que a pós-modernidade se forma em oposição à modernidade, não podemos esquecer o fato de que foi Nietzsche, em termos abrangentes, quem iniciou o movimento de fustigação dos ideais modernos. Com ele começa a era da paixão moderna. Os seus defensores ou os seus detratores, via de regra, se posicionavam frente a aceitação ou a recusa da modernidade. Porém, Nietzsche já não estava presente quando efetivamente começam as mais profundas transformações de época, da cultura aos artefatos tecnológicos, da política à guerra e ao terrorismo, da arte clássica à anti-arte ou a arte pela arte, do local ao global, da objetividade ao ficcional e ao virtual, do bioquímico ao tecido genético.

A idéia de pós-modernismo surgiu pela primeira vez no mundo hispânico, na década de 1930, uma geração antes de seu aparecimento na Inglaterra ou nos EUA. Perry Anderson, conhecido pelos seus estudos dos fenômenos culturais e políticos contemporâneos, em "As origens da pós-modernidade" (1999), conta que foi um amigo de Unamuno e Ortega, Frederico de Onís, que imprimiu o termo pela primeira vez, embora descrevendo um refluxo conservador dentro do próprio modernismo. Mas, coube ao filósofo francês Jean-François Lyotard, com a publicação de "A condição pós-moderna" (1979), a expansão do uso do conceito. Em sua origem, pós-modernismo significava a perda da historicidade e o fim da “grande narrativa", o que no campo estético significou o fim de uma tradição de mudança e ruptura, o apagamento da fronteira entre alta cultura e da cultura de massa e a prática da apropriação e da citação de obras do passado.

Para Zygmunt Bauman, em seu livro “Modernidade”, a ideia do que mudou foi a modernidade sólida, principal modelo da sociedade de produtores, que cessa de existir, e em seu lugar surge a modernidade líquida, principal modelo da sociedade consumista. A primeira, seria justamente a que tem início com as transformações clássicas e o advento de um conjunto estável de valores e modos de vida cultural e político. Na modernidade líquida tudo é volátil, as relações humanas não são mais tangíveis e a vida em conjunto, familiar, de casais, de grupos de amigos, de afinidades políticas e assim por diante, perde consistência e estabilidade. Acredita-se que essa reflexão de Bauman já está de algum modo presente em Marx quando, segundo Marshall Berman – “Tudo que é sólido desmancha no ar” - (1982), ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, tudo o que é sólido desmancha no ar. Ele aponta para a ação do éter das revoluções modernas que desmancha tudo que é sólido. A diferença entre os dois autores é que Bauman já trabalha no campo minado dessa suposta pós-modernidade, que dificilmente permite que se faça planos para modos estáveis de sociedades futuras.

“Se existe uma voz moderna, arquetípica, na primeira fase da modernidade, antes das revoluções francesa e americana, essa é a voz de Jean-Jacques Rousseau. Rousseau é o primeiro a usar a palavra moderniste no sentido em que os séculos XIX e XX a usarão; e ele é a matriz de algumas das mais vitais tradições modernas, do devaneio nostálgico à auto-especulação psicanalítica e à democracia participativa.” (Pg 17 - Tudo Que é Sólido Desmancha No Ar. (Scrib))

Para Bauman, na era sólido-moderna, chamada por ele a sociedade de produtores, a satisfação parecia de fato existir. Em contrapartida, uma modernidade volátil propicia a ascensão de um objetivo individual, bem distante, portanto, das instituições sólidas e tradicionalistas, provocando uma ruptura dos moldes anteriores, alguns de muitos já históricos pontos de orientação. Essas orientações já não estigmatizam o indivíduo, pelo contrário, partiriam do indivíduo e se chocariam com os fragmentos de novos padrões, cada vez mais micros de convívio social e, por isso, com sucinta fluidez, apareceriam novas normas que vão e estão se moldando em curtíssimo espaço de tempo. Nessa aparente emancipação sedutora, Bauman questiona a liberdade como real objetivo almejado, dando ao leitor uma revelação formulada como indagação: “A libertação é uma bênção ou uma maldição? Uma maldição disfarçada de bênção, ou uma bênção temida como maldição?” (Baumn, 2001, p. 26 – Modernidade Líquida). De acordo com suas pesquisas, ele mesmo responde: “A verdade que torna os homens livres é, na maioria dos casos, a verdade que os homens preferem não ouvir.” (Baumn, 2001, p. 26 – Modernidade Liquida).

Vejamos alguns pontos importantes na construção da sociedade do século XXI, globalizada.

O significado de globalização pode adquirir diversas definições, de acordo com os interesses e linhas de pensamento. De uma maneira geral, globalização é o conjunto de transformações na ordem política e econômica mundial que vem acontecendo nas últimas décadas. A globalização efetivou-se no final do século XX, logo após a queda do socialismo no leste europeu e na União Soviética. O neoliberalismo, que ganhou força na década de 1970, impulsionou o processo de globalização econômica. O ponto central da mudança é a integração dos mercados numa chamada “aldeia global”, explorada pelas grandes corporações internacionais, causando uma interdependência comercial entre os países. Com os mercados internos saturados, muitas empresas multinacionais buscaram conquistar novos mercados consumidores, principalmente dos países recém-saídos do socialismo. Os Estados abandonam gradativamente as barreiras tarifárias para proteger sua produção da concorrência dos produtos estrangeiros, e abrem-se ao comércio e ao capital internacional. Esse processo tem sido acompanhado de uma intensa revolução nas tecnologias de informação como telefones, computadores e televisão. A globalização é marcada pela expansão mundial das grandes corporações internacionais, e essas corporações exercem um papel decisivo na economia mundial.

Outro ponto importante desse processo são as mudanças significativas no modo de produção das mercadorias. Auxiliadas pelas facilidades na comunicação e nos transportes, as multinacionais instalam suas fábricas em qualquer lugar do mundo onde existam as melhores vantagens fiscais, mão-de-obra e matérias primas baratas. Essa tendência leva a uma transferência de empregos dos países ricos, que possuem altos salários e inúmeros benefícios, para as nações industriais emergentes. O resultado desse processo é que, atualmente, grande parte dos produtos não tem mais uma nacionalidade definida. Por exemplo: um produto de marca norte-americana pode conter peças fabricadas no Japão, ter sido projetado na Alemanha, montado no Brasil e vendido no Canadá. A rápida evolução e a popularização das tecnologias de informação (computadores, telefones e televisão) têm sido fundamentais para agilizar o comércio e as transações financeiras entre os países. Atualmente, com a invenção dos cabos de fibra óptica, houve altíssimas melhoras no campo da telefonia e informática. Para facilitar as relações econômicas, as instituições financeiras (bancos, casas de câmbio, financeiras) criaram um sistema rápido e eficiente para favorecer a transferência de capital e comercialização de ações a nível mundial. Investimentos, pagamentos e transferências bancárias, podem ser feitos em questões de segundos através da internet ou de telefone celular. O número de usuários do cyberspace, internet, rede mundial de computadores, se expande a cada ano com uma altíssima velocidade e voracidade, o que faz dele o meio de comunicação que mais cresce no mundo. E, o maior uso dos satélites de comunicação permite que alguns canais de televisão, como as redes de notícias CNN, BBC, Globo News, Band News, entre outras, sejam transmitidos instantaneamente para diversos países. Tudo isso permite uma integração mundial sem precedentes, fazendo com que os desdobramentos da globalização ultrapassem os limites da economia e comecem a provocar certa homogeneização cultural entre os países, podendo surgir alterações em sua linguagem, seu modo de vestir, comer, pensar, se divertir, além da música, cinema e outros. A crescente concorrência internacional tem obrigado as empresas a cortar custos, com o objetivo de obter preços menores e qualidade alta para os seus produtos. Nessa reestruturação estão sendo eliminados vários postos de trabalho, tendência que é chamada de desemprego estrutural. Uma das causas desse desemprego é a automação de vários setores, em substituição à mão-de-obra humana. Caixas automáticos tomam o lugar dos caixas de bancos, fábricas robotizadas dispensam operários, escritórios informatizados prescindem datilógrafos e contadores.

Os chamados “tigres asiáticos” (Hong Kong, Taiwan, Cingapura e Coréia do Sul), são países que souberam usufruir dos benefícios da globalização e que investiram muito em tecnologia e educação nas décadas de 1980 e 1990. Como resultados conseguiram baratear custos de produção e agregar tecnologias aos produtos. Atualmente, são grandes exportadores e apresentam ótimos índices de desenvolvimento econômico e social. Dentro deste processo econômico, muitos países se juntaram e formaram blocos econômicos, cujo objetivo principal é aumentar as relações comerciais entre os membros. Neste contexto surgiram a União Européia, o Mercosul, a Comecom, o Nafta, o Pacto Andino e a Apec. Estes blocos se fortalecem cada vez mais e já se relacionam entre si. Desta forma, cada país, ao fazer parte de um bloco econômico, consegue mais força nas relações comerciais internacionais. Nos países ricos o desemprego também é causado pelo deslocamento de fábricas para os países com custos de produção mais baixos. O fim de milhares de empregos, no entanto, é acompanhado pela criação de outros pontos de trabalho. Novas oportunidades surgem, por exemplo, na área de informática, com o surgimento de um novo tipo de empresa, as denominadas de “inteligência intensiva”, que se diferenciam das indústrias de capital ou mão-de-obra intensivas. O restante estará envolvido em áreas de desenvolvimento de outros computadores, tanto em hardware como em software, gerenciamento e marketing. Entretanto, a previsão é de que esse novo mercado de trabalho dificilmente absorverá os excluídos, uma vez que os empregos emergentes exigem um alto grau de qualificação profissional. Dessa forma, o desemprego tende a se concentrar nas camadas menos favorecidas, com baixa instrução escolar e pouca qualificação. Os governos também estão perdendo a capacidade de proteger o emprego e a renda dos trabalhadores. Se um país estabelece uma legislação que protege e encarece o trabalho, provavelmente será excluído da lista de muitos projetos de investimento. Há, enfim, uma perda de controle sobre a produção e comercialização de tecnologia, o que nos tempos da chamada Guerra Fria, seria impensável. Naquela época, a tecnologia estava ligada à soberania dos países. Bem, com isto exposto, vamos fazer uma reflexão:

O chamado “primeiro mundo” se faz presente, principalmente, através do processo de globalização. Começa tal domínio se estabelecer através da linguagem, onde o português passa a conviver com várias expressões importadas, mais especificamente do inglês americano. Isso significa que, saber ler, falar e entender a língua inglesa torna-se fundamental dentro deste contexto, pois é o idioma universal e o instrumento pelo qual as pessoas podem se comunicar. Temos, assim, um mercado de produção intelectual, com produtos simbólicos marcados por um caráter crescente internacional. E mais, a tecnologia digital possibilita o uso de uma linguagem comum – um filme, uma chamada telefônica, uma carta, um artigo de revista etc. – qualquer um deles pode ser transformado em dígitos e distribuído por fios telefônicos, microondas, satélites ou ainda por via de um meio físico de gravação, como uma fita magnética ou um disco. O mais preocupante é que, tornado possível um conteúdo permeável, qualquer mensagem, som ou imagem pode ser editada e transformada naquilo que se bem entender. (Uma sociedade sem identidade cultural).

Há uma ausência total de referencial histórico e são poucos os que conhecem as obras de Deleuze, Nietzsche, Schopenhauer, Marx, entre outros. Os velhos paradigmas estão sendo quebrados, porém, outros não estão sendo construídos no lugar e, há um declinio das verdades e dos valores tradicionais, que estão despedaçados, tornando-se difícil prosseguir no caminho. Há, também, uma ausência total de ícones na sociedade atual. Sociedade esta onde tudo passa a ser efêmero, inclusive um conhecimento no sentido histórico. Quais conhecimentos e formas de pensar a história estão sendo passados aos jovens, que vêm adquirindo cada vez mais uma interação com jogos eletrônicos, até com certo conteúdo histórico, mas que, geralmente, nem se percebem isso. (Uma sociedade niilista).

Nas grandes empresas fala-se muito sobre “lema da empresa”, “vestir a camisa”, numa tentativa de desviar o homem dos temas centrais, reais e necessários à sua sobrevivência. De um lado, há a ruptura do indivíduo com o seu próprio destino e há uma síntese de ruptura anterior, que apresenta novas possibilidades de romper a mesma alienação. O outro lado se apresenta como uma contradição externa, com o capital tentando tirar suas características como humano, que leva o homem a lutar pela reapropriação de seus gestos. É interessante destacar que a alienação se estende por todos os lados, mas não se trata de produto da consciência coletiva. Ela somente constrói uma consciência fragmentada, que vem a ser algumas visões que as pessoas têm de um determinado assunto, algumas “alienadas”, sem saber e, outras, que não esboçam nenhum posicionamento. As identidades parecem não ser nem genéticas nem hereditárias, ao contrário, são formadas e transformadas no interior de uma representação. Nesse processo formador de uma identidade forma-se uma comunidade simbólica, num sistema de representação cultural. E, a cultura passa a ser um discurso, ou modo de construir sentidos que influenciam e organizam tanto as ações quanto as concepções que temos de nós mesmos. (Uma sociedade alienada).

Quanto ao hedonismo, seu princípio básico é a busca do prazer, enquanto virtude da construção humana. Precisamos ter certo cuidado quando utilizamos o termo hedonismo, esclarecendo que há uma diferença fundamental entre as teorias hedonistas antigas e as contemporâneas. Na concepção antiga, em primeiro lugar está o prazer ou o bem estar da comunidade, pois essa tinha como princípio não o prazer individual, mas a utilidade dos homens para um prazer único que era servir à sociedade. Já, a concepção contemporânea aponta o prazer do individuo no sentido egocêntrico, utilitarista. A época que deu origem ao hedonismo não pode ser comparada com o ambiente sociocultural contemporâneo. Não vamos restringir todos os fins em si mesmo, a polissemia e suas múltiplas e variadas relações de sentido e significado. O que acontece hoje é uma forma de hedonismo socializado pela mídia, da racionalidade do indivíduo, da universalidade do agir, da filosofia da razão, do desenvolvimento das forças produtivas, pelas relações de poder e pelo materialismo, da falta de percepção do outro em todas as relações, sejam elas afetivas, profissionais, sociais e até sexuais. Esse prazer atual aponta para o prazer solitário, aquele que deixa um vazio depois que se atinge o objetivo planejado, como por exemplo, o das práticas do chamado sexo virtual. O prazer pelo prazer, onde o ser humano tem procurado satisfazer suas necessidades básicas através de suas realizações de prazer, provocando o aumento da libido social é, de certa forma, respondido pela própria sociedade como sintoma, facilitando também o aparecimento de mecanismos de promoção da visibilidade do que era privado, como se nomeasse o fim do segredo ou o fim da intimidade. (Uma sociedade hedonista).

Chegamos ao vício do consumismo patológico, onde o importante é o ter e o consumir e não o ser e existir. O direito do cidadão virou direito do consumidor. Tudo agora está girando em torno da questão de um possível patrocinador. Após Marx confrontar a economia política, lançando pela primeira vez o termo “alienação no trabalho” e suas consequências no cotidiano das pessoas, ele expõe a alienação da sociedade burguesa/fetichista, apresentando uma conduta de idolatrar certos objetos (automóveis, jóias, etc). O importante não é mais o sentimento, a consciência, pensamentos, mas sim o que a pessoa tem. O pensamento supõe uma experiência emocional na sua totalidade, tanto individual quanto social. Sem a possibilidade de ter uma referência simbólica, a sociedade adere a crenças sem atingir o nível do pensar. O desenvolvimento psíquico dos sujeitos vêm apresentando muitos conflitos chegando ao uso abusivo de drogas, uma questão social séria, e, sejam elas lícitas ou ilícitas, apresentam um tipo de pensamento concreto sempre presente no discurso do adicto. O dinheiro é o maior fetiche desta cultura, que passa a ilusão às pessoas de possuírem tudo o que desejam – que se limita aos bens materiais. Observando nossa sociedade fica claro que o objetivo maior a ser alcançado, e a ‘qualquer custo’, é a felicidade. O grande problema é que desde a infância o modelo de felicidade está diretamente ligado ao consumismo, e o que pudermos comprar poderá nos trazer satisfação e felicidade. As drogas lícitas veiculam esse modelo através da propaganda. A crença de que podemos ‘comprar’ a felicidade, e de que tristeza e solidão devem ser evitadas a qualquer preço, constituem o mesmo padrão de relação que os dependentes – consumidores – estabelecem com as drogas – produtos – sendo assim, o ‘prazer momentâneo’ obtido com a droga, unido à imaturidade, não causam preocupações com os riscos, gerando assim uma sociedade do sintoma adicto angustiante. (Uma sociedade de consumo adicta).

Na atualidade, a relação de competitividade está numa crescente e vem evidenciando o desempenho e as jornadas extensas de trabalho, exigindo do sujeito uma notável especialização. Com isso os indivíduos vão se tornando cada vez mais isolados e acabam se sacrificando, envolvidos em várias atividades profissionais ou barganhado na forma de lazer tecnológico, desenvolvendo um mal-estar real e visível, comum no trabalho compulsivo, gerando vícios, stress, perversão, depressão, obesidade, tédio acachapante entre outras patologias. Fica até difícil identificar sociologicamente onde há conflito e onde há competição. Tal evolução pode ser comparada à selva, cada um por de si. Paradoxalmente, esta mesma sociedade que consome o homem mascara o valor do trabalho, oferecendo, em contrapartida, a comodidade advinda do avanço tecnológico. Comodidade esta que aprisiona e passa a ser, consideravelmente, a armadilha de se trabalhar cada vez mais para aumentar a produção e, consequentemente, ganhar mais dinheiro para alcançar o conforto desejado pelo sujeito. Essa inquietação distancia cada vez mais o lazer, o tempo livre e a atividade física como necessidade básica, subestimados pelas comodidades oferecidas pela automação e robotização. Com o incremento tecnológico e o cientificismo em que nos encontramos a tendência é um processo de desumanização das relações humanas, que não têm mais valor a não ser na base de troca. Principalmente nos jovens ouvimos muito: O que eu vou ganhar com isso? Esse individualismo exacerbado tem trazido terríveis danos à nossa sociedade. Os relacionamentos humanos estão sendo, cada vez mais, gerados a partir de uma máquina. O universo do cyberspace está se transformando em uma realidade alternativa, onde se pode viver virtualmente como outra pessoa. Comunicar sempre foi uma das necessidades básicas do ser humano, e o surgimento da internet e da telefonia celular apenas intensificou, com assustadora rapidez, este processo. (Uma sociedade individualista) e ou (Uma sociedade tecno-científica).

Inclusive, li recentemente uma notícia interessante no Jornal “ Gazeta de Ribeirão” de 24/04/2009, que trazia a seguinte reportagem:

“Site pode deixar os internautas incensíveis.

Uma pesquisa da Universidade de Southern California, nos Estados Unidos, afirmou que sites como o Twitter podem ter um efeito negativona moral das pessoas, e deixa-las indiferentes ao sofrimento humano. A pesquisadora Mary Helen Immordino-Yang disse que o cerebro precisa de tempo para processar informações, e a constante atualização promovida por estes sites não permite que o leitor entenda por completo as emoções relacionadas à noticia, já recebendo novos estimulos em curto espaço de tempo. A pesquisa adiciona que jovens que utilizam essas ferramentas podem ser afetados por esta instantaneidade e se desenvolverem cidadãos insensíveis às emoções, tanto positivas como negativas.”

Temos uma sociedade onde o capitalismo instaurou-se como único modelo econômico, operando a lei dos mais fortes, onde o prazer está pelo prazer, onde a pornografia e principalmente a pedofilia tem crescido assustadoramente, onde o comércio do narcotráfico é o mais rentável, onde há um vício patológico, onde o fetichismo é operante e assim por diante, fica tudo muito complicado e preocupante. Mais preocupante, ainda, são as recentes descobertas científicas, principalmente na área biogenética, a clonagem, as informações do mapeamento genético, os transgênicos, as proteinas na produção de memória, e outras novas descobertas (com seus possíveis benefícios, que é o que esperamos). Parece que já não se trata, prioritariamente, de tornar os corpos mais potentes, ágeis, eficientes, disciplinados, vão desnudando o corpo de significados culturais específicos, passando a apreciá-lo segundo critérios de funcionalidade e operacionalidade, construindo novos seres a partir de informações moleculares. A recombinação genética parece indicar não apenas a fragmentação e a instrumentalização do mundo natural, mas, também, a indiferenciação de fronteiras que antes eram tidas como culturalmente sagradas, tais como aquelas que delimitam o campo do humano, do corpo animal ou do vegetal. (FERREIRA, Jonatas & VENTURA, Jorge. (2000), “O monstruoso tecnológico”. Perspectivas, Revista de Ciências Sociais, 23: 25-50, Unesp.).

Em um artigo de 1º de novembro de 2001, na Folha de São Paulo, encontrei a seguinte notícia cujo título do artigo enunciava: “USP lança animal transgênico no Brasil”. A partir disso poderíamos pensar em que contexto se encaixaria esse suposto “lançamento” (comercial ou não) desse animal, que foi apresentado como sendo um camundongo. Para Platão, a sabedoria seria a capacidade de despertar por si só, de modo autônomo, a memória do verdadeiro e não o discurso pronto. Isso, se o limite do mundo técnico e natural pudesse ser preservado. Essa sociedade da informação poderia, ainda, aprender algo com Platão como a quantidade da informação e a sabedoria. (Derrida, 2005). A natureza já não é o outro da cultura, o que implica dizer que já não há um distanciamento tão claro entre nossa cultura e o que é anímico, real, “cru”. Há uma naturalização das coisas, um empobrecimento bastante preocupante da vida simbólica, da subjetividade. Fico, então, tentando imaginar qual seria o limite para essa sociedade. (Uma sociedade amoral onde a ética parece estar fora de questão).

O consumismo incentiva o desperdício, a grande quantidade de lixo, a poluição atmosférica, o uso da energia nuclear, o esgotamento das reservas de energia e o aquecimento global, além do aprofundamento das desigualdades sociais. Precisamos urgente rever certos conceitos e termos muito cuidado com possíveis equívocos. A “doença” da era freudiana, a histeria, onde ocorria a teatralização dos sujeitos incapazes de suportar tanta repressão, que insinuavam um gozo impossível, deixa-nos apreensivos, pois nos transporta ao mal-estar da cultura de hoje, fazendo com que a observação desta, seja pertencente a um referencial bem mais complexo, contido na aparente ausência de repressão, fazendo com que os sintomas subjetivos se pulverizem no disfarce coletivo, como um véu que veio cobrir os olhos de uma população que aparenta estar sempre feliz, gozando. Configurando uma impossibilidade em ser infeliz, dificultando o alcance a uma imunidade nesse sentido.

O filósofo francês Gilles Lipovetsky, professor de filosofia na Universidade de Grenoble, na França, sob influência de Michel Houellebecq, Friedrich Nietzsche, Blaise Pascal dentre outros, possui inúmeras obras publicadas que perpassam em temas como consumo, publicidade, hedonismo, individualismo, luxo, moral etc.. Se Guy Debord rotulou a sociedade da época através da obra “A sociedade do espetáculo”, e Jean Baudrillard através de “A sociedade do consumo”, Gilles Lipovetsky publica, em 2007, “A sociedade da decepção” e, também, “A felicidade paradoxal”, onde a conexão entre essas duas obras se dá na análise dos paradoxos da sociedade atual. Logo no início da obra “A sociedade da decepção”, publicada em formato de livro por consequência de uma entrevista coordenada por Bertrand Richard, doutor em sociologia pela Sorbonne/Paris V, ele nos diz: “Quando falamos em sociedade da decepção, não pretendemos insinuar que a desmoralização absoluta seja a marca distintiva de nossa época” (p. 7).

Ele segue buscando uma explicação para as leis do pensamento, onde coloca que desejo e decepção andam juntos. A decepção é proporcional ao desejo. Essa decepção se faz presente tanto no contexto da vida pública, quanto no da vida privada. A desregulamentação e o enfraquecimento da religião, o ceticismo quanto ao futuro, o trabalho como forma de prazer e o ensino são fenômenos frustrantes da vida pública, destacados pelo autor. Na vida privada, o amor, a paixão, o sexo, o casamento, os filhos, o divórcio, os valores e o consumo também são objetos de desilusão. No que diz respeito ao consumo, ele evidencia que: “[...] o que gera decepção não é tanto a falta de conforto pessoal, mas a desagradável sensação de desconforto público e a constatação do conforto alheio” (p. 29). O autor afirma que: “[...] a inveja provocada pelos bens não comercializáveis (amor, beleza, prestígio, êxito, poder) permanecem inalterável, mas aquela provocada pelos bens materiais diminui” (p. 30).

Vivemos na sociedade do excesso e na sociedade da abundância, onde há excesso de riqueza para uns e abundância de pobreza para outros. Temos uma suposta classe média que tem excesso de desejo e abundância de débito no cartão. Lipovetsky aborda, ainda, a descrença em relação à política vivenciada por todos e associa o comportamento consumista ao exercício da cidadania, dizendo que todas as democracias contemporâneas estão marcadas pelos direitos humanos, globalização e influencia da mídia e que na América Latina, por exemplo, o problema da corrupção é mais latente do que na Europa. Fala, também, da carência em relação à família, do interesse exacerbado pelos animais domésticos e da (anti) publicidade, do consumo como um elemento que permeia toda a sociedade da decepção. E coloca que o consumo não é um mal em si, acreditando que um dia a cultura do consumo não terá a mesma importância e o mesmo impacto na vida humana. Finaliza dizendo que: “[...] por mais numerosos que sejam os motivos para insatisfação e decepção, serão igualmente numerosas as oportunidades de nos desvencilharmos” (p. 80).

Jean Baudrillard (filósofo francês) defende que “nunca se consome o objeto em si (no seu valor de uso) – os objetos (no sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tomado como referência ideal quer demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto superior”. Para Baudrillard a persuasão na publicidade “faz do objeto um pseudo-acontecimento que irá tornar-se o acontecimento real da vida cotidiana através da adesão do consumidor ao seu discurso”.

Em uma entrevista concedida em 2008 ao jornalista Fernando Eichenberg, que vive há dez anos em Paris, de onde colabora para diversos veículos jornalísticos brasileiros, o filósofo Gilles Lipovetsky comentou sobre o mundo do luxo, do hiperconsumo, em referência ao seu livro “O luxo eterno”, informando que estava preparando um novo ensaio sobre o luxo, abordando a questão da estética pois, antes, havia estudado mais o ponto de vista do consumidor e neste ensaio escreveria sobre o luxo na escala da globalização. Comentou, ainda, que, para os numerosos ricos que vivem em pequenos grupos fechados, a única coisa que interessa no consumo é viver o "luxo emocional" voltado exclusivamente para os milionários, que não permite o fácil acesso a quem não tem “moral” financeira e, embora nem todo luxo se torne emocional, há uma tensão pendente. Afirmou, também, que teremos um planeta-luxo cada vez mais presente, com uma tendência para o ultraluxo. A classe média já pode comprar produtos de luxo ou desejar experiências de luxo, seja pelo gosto de um sonho, de um prazer, de algo excepcional e ocasional. O problema está nas dívidas em inúmeras suaves parcelas e no susto quando percebem que não conseguem arcá-las, causando enormes prejuízos a si mesmos – sejam financeiros, psicológicos ou físicos.

Lipovetsky disse que chegará o dia em que ter rugas se tornará algo quase obsceno. Vive-se hoje cada vez mais tempo. O indivíduo é mais importante do que sua classe social e isso é algo novo. Antigamente a importância era a identidade social. Se você era nobre, era preciso provar, mostrar. Hoje, você pode mostrar que é rico, mas o mais importante é mostrar que você é jovem, que é uma individualidade. A valorização da individualidade se tornou mais importante do que a valorização do grupo social ao qual se pertence, inclusive no Brasil.

Gilles Lipovetsky aponta que, no Brasil, há uma obsessão do corpo e as clínicas de cirurgia estética estão dentre o mercado da beleza que mais dispararam. Caíram dois grandes tabus na idade hipermoderna do luxo. O primeiro é o tabu das classes populares, pois nas camadas pobres as pessoas queriam comer, viver e nem pensavam no luxo. Hoje, nas favelas, a maioria conhece as grifes e, os jovens, principalmente, querem as marcas de luxo porque veem isso na propaganda publicitária, na tevê, no cinema etc. A aspiração ao luxo se tornou algo universal. O segundo tabu é o do corpo, como por exemplo, com a publicidade de maquiagem que começou nos anos 1920, e hoje, meninas de 10-12 anos já se maquiam. Não há mais tabus da infância à velhice para melhorar sua beleza e, ainda, existe a cirurgia estética usada como mais um recurso. A queda desses dois tabus abriu as portas para o luxo. O luxo hoje se tornou infinito.

Lipovetsky defende que nunca houve tanta diversificação e possibilidades de escolha no mundo, e sua crítica em relação ao consumo está na existência, o lugar demasiado que o consumo ocupa na vida das pessoas, que além de preocupante é assustador, uma questão de civilização. Para ele, um processo contra o consumo é inviável, pois é uma dinâmica que não vai parar, faz parte das atividades humanas. Em uma escala crescente as coisas são aspiradas no ciclo da troca mercantil. Uma planetarização do hiperconsumo lhe parece irreversível. E afirma que é preciso ser realista, o que implica num desenvolvimento sustentável, e estimular novas formas de educação para que o consumo seja apenas uma parte da vida das pessoas, para que não vivam exclusivamente voltadas para isso. Sua crítica, então, ao consumo, não é econômica, mas cultural. Para ele, acabamos voltando à sabedoria antiga: ‘o que é demais é ruim’.

Sobre o consumo e a sociedade ele termina a entrevista dizendo:

“Há vários limites para a mercantilização. Um deles são os sentimentos, o valor amoroso. Outro limite são os valores éticos. E, por último, a verdade. Há um certo número de princípios que dá um termo à lógica da mercantilização e que faz com que tudo não seja espetáculo, show ou equivalente entre si. Isso é que permite a crítica da sociedade e também a fazê-la mudar. Há tensões, energias, potenciais que permitem imaginar críticas, correções. E será necessário fazer essas correções. Estou convencido de que as coisas um dia mudarão, mas não logo. Uma cultura que dá mais peso às grifes e ao consumo do que à criação não é algo normal. Há um desequilíbrio. Um dias as coisas vão mudar. E é a educação que deverá fazer isso. As coisas devem ser relativizadas. E para isso é preciso ter outros objetivos na vida. Mas isso não é o consumo nem a crítica do consumo que vai fazer”.

Portanto, a mensagem do filósofo Lipovetsky é bastante pertinente: é preciso a criação de uma nova forma de cultura onde haja mais equilíbrio e, quanto mais liberdade e desejo, mais decepção. Termino esse capítulo fazendo uma colocação: para os desejos não realizados, para não nos decepcionarmos inteiramente e para não sermos tão infelizes há quem se contente (se aliene), com o jogo virtual “Second Life”, cuja tradução em português é Segunda Vida, que apresenta um ambiente virtual simulando a vida real, inclusive na questão financeira. Como dizem os jovens: ‘anda fazendo a cabeça de muita gente’. Será que alienar-se vale a pena?

 
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